quarta-feira, 30 de março de 2016

A BEM DA VERDADE HISTÓRICA

O processo de impeachment da Presidenta da República, ora em curso no Congresso Nacional, está embasado oficialmente nas chamadas “pedaladas fiscais”, que significam atrasos (apenas atrasos) nos depósitos junto à Caixa Econômica para efetivação do pagamento de benefícios sociais às camadas populares. Atrasos estes ocorridos em 2014. No mandato anterior, portanto. Mesmo depois de dois anos de investigação na chamada Operação Lava Jato, não há contra ela nenhuma acusação de corrupção, de enriquecimento ilícito, de lavagem de dinheiro ou de obstrução à justiça (nem mesmo sem provas como as feitas a Lula). E as ditas “pedaladas” não caracterizam crime de responsabilidade, o único motivo estabelecido pela Constituição para um impedimento legal.
O mesmo não se pode dizer dos parlamentares que hoje se arrogam o direito de interromper um mandato legitimado por 54 milhões de votos. A atual composição do parlamento brasileiro não tem a menor condição moral de conduzir um procedimento político de tal envergadura. Os senhores parlamentares, em sua maioria, são representantes das cínicas e arrogantes parcelas da elite que bancaram suas campanhas e não dos pouco informados eleitores que lá os colocaram com seu voto. Segundo dados do Portal Transparência (organização não governamental existente desde o ano 2000), dos 513 membros da Câmara Federal, 303 estão acusados pelos graves crimes de roubo de dinheiro público, recebimento de propina ou improbidade administrativa. E, dos 81 senadores, 49 estão envolvidos em denúncias semelhantes. Na Comissão do Impedimento, composta por 65 deputados, 33 estão indiciados por delitos da mesma natureza. Nela está, por exemplo, Paulo Maluf, recentemente condenado em Paris por lavagem de dinheiro. Impossível esquecer, ainda, que o próprio Presidente da Câmara é um delinquente conhecido internacionalmente e em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
Como foi possível chegar a tão insensata conjuntura? A uma crise política que atinge a economia, a legalidade republicana e até mesmo a forma de comportamento social?
É inegável que os agentes provocadores da desordem jurídica, da polarização na sociedade, do prejuízo econômico e do caos político em que nos encontramos são os defensores da visão de mundo derrotada nas urnas em 2014 (pela quarta vez). No entanto, seria ingênuo concluir que é apenas pela cadeira presidencial o golpe que planejam. Querem muito mais. Querem o “seu” país de volta. Aquele, em que alunos da escola pública não iam para a universidade, funcionários públicos federais viviam em permanente arrocho salarial, negros e portadores de necessidades especiais dificilmente entravam no serviço público, pobres não frequentavam shoppings nem aeroportos, o Estado ficava cada vez mais mínimo, o patrimônio público era pirateado livremente, o Brasil estava bem representado no mapa mundial da fome e “eles” eram os únicos a lucrar.
Muitos são os engajados neste trem golpista: da poderosa Rede Globo (encarregada da manipulação das informações e da incitação ao ódio) às camadas médias preconceituosas e desinformadas pela “Veja”, passando por setores do Judiciário e do Ministério Público e chegando à contraditória OAB (que, como disse Eduardo Cunha, chegou atrasada ao trem). 
Em contrapartida, são muitos também os setores sociais que se insurgem contra um processo de afastamento da Presidenta baseado somente em antagonismo político, sem nenhum amparo constitucional. Entre eles estão estudantes e professores, advogados e magistrados, artistas e escritores, CNBB e comunidades universitárias, centrais sindicais e representantes de mídias alternativas, coletivos de brasileiros que vivem no exterior e movimentos sociais de negros, mulheres, homoafetivos, sem teto, sem terra e todos aqueles que “melhoraram de vida” nos últimos quatorze anos. Lutam não apenas pela continuidade do mandato de Dilma Rousseff, mas pela Legalidade, pela Democracia e pelos Direitos, todos duramente conquistados em combates anteriores.
Todavia, a bem da verdade histórica, há de deixar-se claro que o maior beneficiário do golpe político em andamento é o grande empresariado nacional, que tem por real propósito, ao dar-lhe apoio e financiamento, a retomada na íntegra da condução da política econômica ,para fazê-la retroceder ao receituário neoliberal da década de 1990. Obtido o intento com a deposição de Dilma, os brasileiros sentirão, de novo, o que significa "pagar o pato" - como aquele amarelinho já estrategicamente estacionado na Avenida Paulista, em frente ao prédio da FIESP.
                                                                                                                                   MARIA

quinta-feira, 10 de março de 2016

A LIÇÃO DE FRANCISCO, O PAPA DO SÉCULO XXI

As irregularidades e anormalidades que envolveram o ato de "condução coercitiva" do ex-presidente do Brasil -Luiz Inácio Lula da Silva- para "depor" numa sala do aeroporto de Congonhas (SP) na sexta-feira, 4 de março, foram tantas, tão variadas e de tal complexidade jurídica, que obscureceram e contaminaram a proclamada proposta de combate à corrupção em curso na autodenominada Operação Lava-Jato, empreendida pelo Ministério Público Federal.
Pela palavra dos mais eminentes juristas do país e do mundo, de todos os matizes ideológicos, é possível concluir que, de tal ato, o que sobrou foi a certeza do cometimento de uma fragorosa injustiça pelos "agentes da lei". Por ele, a Polícia Federal, os membros do Ministério Público e o juiz de Curitiba igualaram-se aos "fora da lei" que afirmam combater. Uma corte de justiça, para que seja respeitável, não pode, ela mesma, permitir-se ultrapassar os limites constitucionais.
As objeções contra a midiática empreitada comandada por Sérgio Moro, levantadas por dois ex-ministros da justiça de Fernando Henrique Cardoso (José Carlos Dias e José Gregori), por um ministro do Supremo Tribunal Federal (Marco Aurélio de Mello, indicado por FHC), por um brilhante especialista em Direito Constitucional e procurador de justiça aposentado (Lenio Streck), pela OAB e por muitos outros doutores em leis, foram acompanhadas por manifestações populares vindas de todos os cantos do Brasil e da América (inclusive dos EUA). Gente que, mesmo sem entender de leis, pauta a vida pelo canto do poeta: "Eu só peço a Deus que a injustiça não me seja indiferente..."
Não faltaram, também, vozes de apoio aos "rapazes da Federal" e de repúdio e descrédito a Luiz Inácio. Faz parte. É da condição humana a pluralidade de pensamento e o respeito a esta pluralidade. Cada qual com seus motivos, circunstâncias e fontes de informação. Inaceitável é, apenas, a incitação à violência entre seres humanos. Venha de onde vier. Por conta disso, pode ser considerado criminosamente irresponsável o discurso de um padre católico (durante a missa) pedindo aos "irmãos e irmãs" que "esmagassem a cabeça da serpente, especialmente a que chama a si mesma de jararaca", numa alusão explícita à fala de Lula em rede nacional de televisão após o interrogatório.
Considerando-se a gigantesca repercussão de todo o feito e dito nos últimos dias, aparentemente a maior lição a ser aprendida pelos brasileiros com o ocorrido é a de que em um Estado Democrático de Direito ninguém deve estar acima da lei. Nem mesmo a Justiça, pois caso isso aconteça as consequências podem ser imprevisíveis. Ou, como popularmente se afirma, o tiro pode sair pela culatra.
Sem dúvida, importantíssima lição. Todavia há outra, maior ainda. Ela nos vem de longe, da velha cidade de Roma. Quem a dá é Francisco, um papa "como nunca antes...", um mestre do século XXI.
Sem alarde, sem constrangimento público ao advertido, ele calou o padre que estimulava a violência, pedia sangue derramado e manipulava o texto bíblico. Afastou-o dos fiéis, transferindo-o para outra diocese, bem menor e sem nenhuma visibilidade midiática. Transformou uma singela ação administrativa em importante ato a favor da paz e da vida - "Eu vim para que a tenham em abundância". Francisco sabe e ensina o valor da paz para a preservação da vida. Francisco sabe e ensina  o valor da vida para a preservação  da paz.
Respeito é bom e faz falta, Dr. Moro. Para a vida e para a paz.