segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A PALAVRA DITA

                                                              " ...
                                                                 quando estou longe,
                                                                 quero ficar perto
                                                                 quando estou perto,
                                                                 quero ficar dentro
                                                                 quando estou dentro,
                                                                 quero ficar mudo
                                                                 quando fico mudo,
                                                                 quero dizer tudo..."
                                                                         poema de Itamar Assunção,
                                                                         interpretado lindamente por Zélia Duncan

Com a voz dificultada pelo nó da realidade, atravessado na garganta, e mesmo sem a pretensão de dizer tudo, recorra-se à história para continuar falando. Talvez nela se encontre uma palavra dita que, pedagogicamente,  precise hoje ser repetida.
                           
"RS, BRASIL, MUNDO, DEZEMBRO DE 2002
Encerrou-se neste chão uma experiência governamental de esquerda que fez avançar a participação popular, a democratização das relações de poder, a luta no campo, a humanização da segurança pública, o investimento na cidadania com inclusão social. Isto, através de políticas públicas que tinham como objetivo a construção de um Estado controlado pelo povo, sem clientelismo e sem assistencialismo. Com seus erros e fragilidades, foi o melhor governo que o Rio Grande do Sul já teve. Um governo do Partido dos Trabalhadores. Tinha a nossa cara.
BRASIL, AMÉRICA DO SUL, MUNDO, JANEIRO DE 2003
Um operário assume a presidência da maior república ao sul do Equador. Fato - produto de uma aliança partidária esdrúxula - esquerda e direita amontoando-se para governar um território espoliado pelo capital há 500 anos. Caminho conscientemente escolhido pelas correntes de pensamento hegemônicas nacionalmente no PT. Caminho que o leva, numa velocidade não bem dimensionada por nós, para o lado oposto àquele que queríamos.
Diversamente da experiência gaúcha, a coligação LULA/PL (e quase todos os pês) propõe-se a adotar conceitos criados pelo FMI, exatamente como governos neoliberais do mundo inteiro. O mercado continua Senhor.
No entanto, este é um governo mais contraditório do que uma avaliação ligeira permite supor: Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério das Cidades, Ministério do Meio Ambiente, são nichos a abrigar imagens da nossa luta. E outros nichos existem ou serão  criados, com certeza.
Enquanto isso, dentro do Partido, as diferentes tendências buscam articular-se e encontrar formas de disputar com a direita os rumos governamentais e, consequentemente, os rumos da história do Brasil e da esquerda mundial. Não é pouca coisa. E o esvaziamento da democracia interna torna maior ainda o desafio.
Nossas contradições, hoje claramente expressas porque estamos no governo da Federação, são na verdade, antigas. Estão mesmo nas próprias origens do Partido. Por isso, a pergunta da hora não deve ser "se é possível mudar os rumos do governo LULA", mas uma outra, muito mais pertinente para quem sabe que "tudo que é sólido desmancha no ar": Nós seremos persistentes e consistentes o bastante para fazer essa disputa?
Nossos sentimentos contraditórios, nossa vontade de fugir ou de dormir, nosso desejo de devolver o ingresso e voltar para casa, nossa gana de apagar a estrela, podem ser explicados pelo fato de ter nascido da melhor das nossas possibilidades não o que sonhávamos e sim o que temíamos. Mas e aí?
Somos meninas e meninos cansados? Envelhecemos?
Nos perdemos no meio da tempestade? Amarelamos? 
Ou não éramos bem aquilo que dizíamos?
Nossa história, a história da esquerda latino-americana, tem sido a história de vitórias e derrotas improváveis. A improbabilidade tem sido a regra da nossa construção e da nossa desconstrução. Mais uma vez o improvável está a nos provocar. Há poucas chances de que o governo LULA redirecione suas ações. Mas e aí?
As probabilidades de que o futuro seja feliz são muito poucas. Mas haverá mais chances para elas se, vencendo o cansaço, a descrença em nós mesmos, nos "avermelharmos" de novo e mostrarmos que somos bem aquilo que dizíamos. 
Maria
Uma contribuição ao debate
Junho/2003"

Quatorze anos depois, cá estamos a questionar os caminhos e os governos por nós construídos. Ainda têm sentido as questões lá atrás levantadas? Ou serão outras as nossas preocupações agora?
Não está ainda claro o que o PT aprendeu com a gigantesca derrota que lhe foi infligida pelo capital neste assustador 2016. Mas uma primeira lição já parece ganhar certa nitidez e está a exigir de nós um esforço imediato de reflexão.
Trata-se da constatação de que a força partidária deve estar com a militância organizada na base. Ela pode e tem a responsabilidade de dar a direção que entender necessária  para que o Partido siga - adiante e à esquerda, rumo ao SOCIALISMO.

                                                       Muito perto,
                                                       muito dentro,
                                                       mas não muda,
                                                                            Maria
                                                       Uma contribuição ao debate
                                                                 Dezembro/2016