quinta-feira, 13 de novembro de 2014

POLÍTICA EDUCACIONAL DO REGIME MILITAR - POR QUE LEMBRAR?

Lembrar o passado pode ser fundamental. Não para vivê-lo outra vez, mas para seguir em frente, enriquecidos pelo conhecimento que este "olhar para trás" pode proporcionar. Sem saudosismo.
O resgate histórico do tratamento dado à educação em determinado espaço/tempo permite compreender os objetivos explícitos e implícitos das políticas públicas que organizam ou desorganizam a sociedade como um todo. Na trajetória educacional estão plantadas as contradições, veladas ou não, que permeiam o tecido social. Nela estão também expressos os avanços obtidos pelas lutas coletivas para desvelar e, quiçá, superar tais contradições.
A política educacional do regime militar brasileiro não pretendia contribuir para o exercício consciente da cidadania, como afirmava o Artigo 1º da sua Lei outorgada. Sua meta, ao contrário, era o adormecer das consciências. Pelo vício de origem que continha, não poderia ser diferente. Ela não começou naquele tenebroso abril, seu traçado principiou bem antes. Corria o ano de 1961.
Jânio Quadros no Brasil. John Kennedy no EUA. No Rio Grande do Sul, um governador "que tinha mandado a ITT embora". Cuba, recentemente libertada por seu povo, semeando esperança entre os milhões de miseráveis da Latino-América. Ernesto Guevara, recebido com honras pelos governos nacionalistas ao sul do Equador (no Brasil, condecorado). Sinal de perigo. Para quem?
O "império" precisava reagir, mas com metralhadoras e fuzis saíra corrido de La Playa Giron. Oficialmente, mudou a estratégia. Escondeu as armas nos navios, chamou os embaixadores latinos para uma festa e apresentou um projeto chamado "Aliança para o Progresso", sem explicar quem iria progredir. Aparentemente, era um programa destinado a acelerar o desenvolvimento econômico, melhorando a EDUCAÇÃO, a saúde e a habitação nos pobres países latino-americanos. Na realidade, era um plano para intervir na elaboração e na execução de políticas públicas por toda a América. Com dois objetivos: frear a influência revolucionária dos cubanos no continente e nele ampliar, ainda mais, o espaço e o "progresso" das empresas multinacionais ou apenas estadunidenses. Típico da guerra-fria. A entidade articuladora dos acordos a serem firmados com cada país seria a "Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Econômico" (a famigerada USAID). O dinheiro disponibilizado foi tanto que, na Conferência da OEA em Punta del Este, todos, com exceção de Cuba, aceitaram. Esta aceitação adubou a erva-daninha que muito em breve cobriria o território continental. E deu licença para que técnicos dos EUA começassem a planejar a educação escolarizada dos tempos que viriam. Ficava claro também na aliança consagrada que "o grande irmão" não iria admitir desobediências, nem "política externa independente", muito menos "reformas de base", em nenhum dos países participantes.
Hoje, é de domínio público que o golpe político de 1964 foi fruto de um pacto criminoso entre o capital internacional comandado pelos EUA e uma parcela significativa da elite econômica brasileira liderada pelas forças armadas. É público também o motivo que originou tal pacto de lesa-pátria: a direita do Brasil apelava ao golpismo porque não conseguia ganhar no voto. A UDN, seu principal Partido, e democrática só no nome, nunca obtivera uma vitória para a Presidência da República.
Por conta dessa rejeição eleitoral e do medo de perder privilégios mantidos desde os primórdios coloniais, já tentara um golpe em 1954, sendo naquele momento vencida pelo tiro certeiro de Vargas no próprio coração. Tentara de novo em 1955, querendo impedir a posse do eleito JK, sendo então barrada pela ação enérgica do Marechal Teixeira Lott. E tentara ainda outra vez em 1961, quando fora silenciada pela voz aguerrida e brava do governador Leonel Brizola.
Precavida, em 1964 vestiu-se de verde-oliva e aliou os próprios interesses aos  da grande potência do Norte. Assim venceu. A "Aliança para o Progresso de Alguns" firmou-se finalmente em terras brasileiras. E os acordos MEC-USAID passaram a ditar os rumos da educação nacional.
Neste contexto, as políticas para o campo educacional foram pautadas por duas grandes necessidades do regime: concretizar a dominação ideológica, facilitando a legitimação do arbítrio e preparar mão de obra barata, facilitando a expansão industrial em curso. Para atingir tais objetivos, duas grandes alterações curriculares foram efetivadas. Diminuiu-se significativamente a área das Ciências Humanas, expandindo-se superficialmente a área Técnica e profissionalizou-se obrigatoriamente o 2º Grau, degradando-se a formação geral. Tudo isso tendo por base a Teoria do Capital Humano. Formando analfabetos políticos e trabalhadores submissos ao sistema, o ensino escolarizado serviu à ordem estabelecida.
De início, a consciência política dos educadores também foi ofuscada. Pelo brilho das metodologias e técnicas importadas, difundidas em incontáveis reuniões de "reciclagem". Ou pelo medo.
Com o tempo, no entanto, as práticas docentes transplantadas, descoladas da realidade cotidiana e arbitrariamente propagadas, foram criando uma grande insatisfação com o trabalho realizado. Além disso, provocaram um gigantesco fracasso escolar que, marcando uma geração inteira, e sem satisfazer o empresariado, ocasionou um recuo do próprio MEC. Começava a ruir o decantado projeto de "modernização" do ensino brasileiro. 
Enquanto isso, pelas brechas, professoras e professores foram aprendendo a resistir. Nas lutas para derrubar a ditadura foram derrubando também a proposta educacional dos ditadores. Que só deve ser lembrada para que não se pense em repeti-la.
Maria

SUGESTÃO DE LEITURA








sexta-feira, 10 de outubro de 2014

REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA PRESENTE: O VALOR DO TESTEMUNHO

Pensar historicamente o tempo que mora em nós dificilmente terá  a isenção exigida pelo rigor científico da historiografia acadêmica. Entretanto,para aqueles que sonham em mudar a história mudando o mundo, o valor do testemunho dado no calor da hora pode ser mais importante que a isenção científica.
Por isso, e "para desmascarar esses carneiros (do capital) que se julgam lobos", como nos recomendou o grande Marx, ouçamos OLÍVIO DUTRA: 


Olívio fala ao Sul21 sobre a esquerda e o sentido de reeleger Tarso e Dilma
Publicado em 09/10/2014


Entrevista sul 21/ 9 de outubro de 2014
Olívio retorna à militância e à criação de ambientes propícios ao debate das questões voltadas ao futuro da esquerda
 Por Ana Ávila*
Não é de hoje que Olívio Dutra instiga a criação de um ambiente favorável ao debate aprofundado sobre os papéis do PT e da esquerda. Aos 73 anos, Olívio Dutra, ex-governador, ex-deputado federal constituinte e ex-prefeito concorria a uma vaga no Senado, depois de oito anos fora de disputas eleitorais. Acabou derrotado por Lasier Martins, em uma votação apertada: 37,42% a 35,31%.
Sem mandato para o próximo ano, ele retorna à militância, pela qual tem tanto apreço, disposto a trabalhar pela reeleição de Tarso Genro e Dilma Rousseff. Diz que não pensa em voltar a se candidatar. Prefere pensar sobre troca de experiências e sobre como criar ambientes e situações capazes de melhorar a vida de todos, com ou sem mandato.
“Perdi a eleição, mas ganhei um livro”, brincou, durante entrevista ao Sul21, no apartamento onde mora, na zona norte da capital, exibindo um exemplar de El hombre que amaba a los perros, do escritor cubano Leonardo Padura. A obra de 600 páginas foi a mais recente leitura do ex-candidato e sua companheira, Judite Dutra, durante a campanha eleitoral. Na sala de paredes cobertas por livros, ele falou sobre o papel da esquerda, a interferência da religião na política e os desafios para os próximos capítulos das disputas eleitorais. Lamenta, sobretudo, a impossibilidade de ler tudo o que gostaria e conta um sonho: que os livros estivessem na cesta básica dos brasileiros.
Sul21 – O senhor poderia fazer uma avaliação do resultado da eleição para o Senado?
Olívio Dutra – A eleição para o Senado está inserida na eleição para o governo Federal e estadual, a reeleição da Dilma, a reeleição do Tarso. A conquista daquela cadeira no Senado era para dar força ao projeto e reforçar o trabalho do (Paulo) Paim, que está lá, mas acrescentar o debate sobre as grandes reformas que o Brasil precisa que aconteçam para ele se tornar uma nação. A reforma política, a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma tributária. O quadro politico que temos é um quadro em que há um desgaste do nosso projeto do campo democrático popular, que não se articula nunca o suficiente, que não define seus contornos. Com isso está sempre com a guarda aberta para o avanço da centro-direita.
Eu acho que foi uma disputa que demarcou um campo de ideias. Assumi ser candidato por conta disso. Evidentemente, não ganhamos a cadeira e isso não é pouca coisa. Ela vai ser assumida por alguém que não tem um projeto nacional, tanto que nem candidatura à presidência da República teve, e travestido de trabalhista, que nunca foi, mas está decidido pelo voto da maioria da população. Pelo jeito que se desenvolveu a campanha, o vitorioso vinha de mais de 30 anos de palanque montado pela empresa do monopólio regional da mídia aqui, em que ele falava praticamente sozinho, era um defensor dos interesses privados, particulares, dos seus grandes anunciantes e patrocinadores, e se travestiu de trabalhismo.
Acho que o PDT em crise viu nele a oportunidade de ter alguma expressão e está dado o quadro. Isso não quer dizer que nós tenhamos abrandados as nossas convicções, a defesa de um projeto coletivo, solidário, que está fazendo bem para o Brasil e para o Rio Grande, mas que tem problemas e precisa ser revigorado, aperfeiçoado e eu continuo na luta. Temos um desdobre dessa luta agora no segundo turno, para a presidência da República e para o governo do Estado.
Sul21 – O senhor acredita que se o seu nome tivesse sido definido antes para a disputa, o resultado poderia ter sido ser diferente?
Olívio – Não. Eu nunca postulei, não queria ser, nem achava que deveria ser, mas uma vez decidido pelo conjunto de forças que constituíram a Unidade Popular pelo Rio Grande, nas condições em que isso foi colocado para mim, eu não abdiquei e nem entrei forçado como gato em canoa ou como pau de arrasto.
Eu fui com convicção, com coração, com consciência. Faz parte da luta você enfrentar as forças que enfrentamos, não conquistar aquilo que era o objetivo eleitoral, mas afirmar um ideário, articular relações com o que se está fazendo em nível federal e estadual, inclusão social e protagonismo político e com um projeto estratégico para o país. Acho que não é porque entrou depois ou entrou antes ou entrou naquele momento.
Tem um quadro que exige reflexão do campo democrático popular da esquerda brasileira e evidentemente o PT tem que saber trabalhar isso, ter instâncias e espaços próprios para fazer essa discussão, que o revigore, que não o faça um partido de governo, um partido conformado, um partido domesticado, um partido gerente do capitalismo, que não resolve os graves problemas do ser humano.
“Tem um quadro que exige reflexão do campo democrático popular da esquerda brasileira e evidentemente o PT tem que saber trabalhar isso, ter instâncias e espaços próprios para fazer essa discussão, que o revigore (…).”
Sul21 – Sobre essa reflexão sobre o PT que o senhor menciona, como ela deveria acontecer?
Olívio – Isso não é novidade. Eu sou crítico de atitudes que o partido já tomou coletivamente e outras que pessoas, grupos, áreas do partido têm tomado e que merecem uma apreciação. Eu não sou o sal da terra, eu também tenho as minhas limitações, certamente um monte de equívocos. Estamos sempre fazendo alianças muito em cima de episódios eleitorais, com um quadro de partidos que estão esgotados ou esgotando-se ou existem por conta de uma oportunidade por interesses pessoais ou grupais. Nós precisamos de uma reforma política verdadeira, essa que a presidente Dilma propôs no ano passado conquistada através de uma assembleia nacional constituinte. Isso é uma luta que tem que ser travada de baixo para cima na sociedade brasileira, no agito, na provocação cidadã, nas grandes mobilizações que envolvam muitos sujeitos sociais coletivos e movimentos das entidades nesse sentido. Acho que temos problemas, não exclusivamente o PT, mas a esquerda. A esquerda deve para o país um projeto estratégico de como transformar o país democraticamente, de resolver os problemas da democracia com mais democracia, radicalizar um processo de mudança na sociedade e no Estado brasileiro com o povo sendo protagonista. Nós não fizemos isso como esquerda, nem sequer definimos quais são os reais contornos de uma esquerda popular, democrática, socialista, humanista. Aí nós vamos para episódios eleitorais disputando entre nós mesmos, às vezes, quem é mais palatável para a direita e para a centro-direita. Isso é um problema não exclusivo do PT, mas o PT tem muito a ver com isso, afinal de contas é o maior partido da esquerda. É evidente que tem partidos à esquerda do PT, mas sem viabilidade de poder. Acho que ter viabilidade política não pode significar um pragmatismo ou um esboroamento de princípios e conteúdos. Como resolver isso é uma questão de um bom e profundo debate e não episódico, ocasional. Nós temos questões sérias, estratégicas para pensar uma ação continuada na execução de um projeto de transformação para o país levado pelas forças do campo popular democrático se alternando na execução desse projeto, mas comprometidas com o programa. Não fizemos ainda isso e não sei se não está passando o tempo por demais para que a esquerda brasileira, na sua pluralidade, compreenda o seu papel e não fique se estilhaçando a cada episódio eleitoral e a centro-direita ganhando, inclusive, culturalmente na sociedade brasileira.
“A esquerda deve para o país um projeto estratégico de como transformar o país democraticamente, de resolver os problemas da democracia com mais democracia, radicalizar um processo de mudança na sociedade e no Estado brasileiro com o povo sendo protagonista.”
Mudanças demandam tempo e iniciativas coletivas, diz Olívio
Sul21 – O senhor acredita que a esquerda tenha condições de, a curto ou médio prazo, se articular para desenvolver esse projeto de governo?
Olívio – A curto prazo, não tem. Nem estou propondo articulação a curto prazo. São 500 e tantos anos que o Estado é uma cidadela dos grandes interesses, das grandes corporações, das famílias da aristocracia, dos metidos a sabidos, dos entendidos e o povo mais objeto do que sujeito da política. Não é uma coisa para ser resolvida a curto prazo, ou por um partido, ou por uma messiânica figura ou meia dúzia delas. Isso é um processo, demanda tempo, mas precisa ter iniciativas coletivas de desenvolver um processo de debate aprofundado que tenha a ideia de um aprendizado permanente e também da transmissão das experiências que o campo desenvolveu, não só aqui, mas na Latino-América, no mundo.
É como enfrentar novos desafios. A ciência e a tecnologia nos trazem novos desafios. Nós temos que lutar, por exemplo, pela redução da jornada de trabalho sem redução de salário. O que isso significa culturalmente? A ciência e a tecnologia, para que servem? Para aumentar o lucro, a produção em grande quantidade, em menor espaço, para acumular para alguns? Não. A ciência e a tecnologia têm que servir para a humanidade, para a vida ser mais prazerosa, mais prolongada, mas vivida prazerosamente, fruída no cotidiano, na solidariedade, no intercâmbio das coisas culturais, das coisas que não são vendidas na prateleira do mercado, mas são substanciais para o ser humano ser dignificado na sua plenitude. Isso é sonho, é utopia? Bueno, tu abdicou disso por conta de ter que administrar uma máquina do Estado que só administrando não se transforma, não desenvolve.
Isso é uma questão séria. Eu não tenho nenhuma formulazinha mágica e nem digo que isso é uma solução de curto prazo, imediata. Acho que assim como está, no entanto, não pode. Um partido como o PT, que não surgiu de cima para baixo, nem dos gabinetes executivos e legislativos, estar numa conformação, numa acomodação, num grau de pragmatismo como está não é bom, não reacende esperança, não reilumina o caminho da utopia, de um mundo de justiça, igualdade e fraternidade. Um partido como o nosso tem que ser um provocador permanente do protagonismo, da criatividade, da criação, da indignação, da juventude na sua rebeldia, e tendo causas para levar essa rebeldia às consequências, às transformações.
Temos um segundo turno daqui a 19 dias.
Sul21- Qual será o seu papel no segundo turno?
Olívio – O de um militante político que defende uma causa, um projeto que está fazendo bem para o Brasil e para o Rio Grande, pelo menos para a maioria da população. Evidente que estamos contrariando interesses, tinha que contrariar mais interesses dos que estão aí se banqueteando. Nenhum rico neste país deixou de ser mais rico. Ao contrário, acumularam mais riquezas, mais expressão, mais capacidade de influir, de impor políticas, de abocanhar recursos do Estado. Mas nós incluímos mais de 40 milhões de pessoas num padrão de vida digna – isso não é pouca coisa – sem fazer uma revolução social sangrenta. Falamos de políticas públicas no espaço democrático de grande protagonismo, pensando num plano nacional de participação social, com os conselhos, as conferências, o Orçamento Participativo.
Acho que temos uma eleição importante para ser ganha, porque pode possibilitar um avanço maior de conquistas. Ou significar que: “não, agora o que o povo conquistou já é suficiente, o Estado tem que funcionar mais como empresa, com os grandes interesses ainda com mais força do que hoje, na definição de linhas políticas para dentro, para fora, as relações internacionais do país”.
“(…) nós incluímos mais de 40 milhões de pessoas num padrão de vida digna – isso não é pouca coisa – sem fazer uma revolução social sangrenta.”
Então, está em jogo uma visão de projetos que têm conteúdos bem diferenciados. O projeto de Lula, da Dilma já deixou marcas significativas de transformação da realidade do Brasil para melhor. O país saiu do mapa da fome da ONU porque garantiu no mínimo três refeições diárias para milhões de pessoas que não tinham esse direito há séculos. E temos acesso a emprego formal, geração de empregos numa época de crise mundial, a menor taxa de desemprego, distribuição de renda e redução das desigualdades. O Brasil nunca esteve em condições tão favoráveis, sendo respeitado internacionalmente, não por um rompante dos governantes, mas porque o povo brasileiro ascendeu como sujeito social. O projeto vem sendo vitorioso, pode fazer mais, corrigir-se inclusive, qualificar-se, ser radicalmente democrático, mais do que tem sido. Temos problemas de corrupção não só no PT, mas a corrupção espraiada, enraizada na sociedade, no empresariado, na comunicação, na estrutura de diferentes ramos. É um processo que está no DNA (dizem), coisa nenhuma. Tem que ter instrumentos sociais, públicos para garantir transparência, eficiência do funcionamento da máquina.
 “Corrupção tem de ser atacada embaixo”
Sul21- Instrumentos para conter a corrupção?
Olívio- O estado democrático de direito está em pleno funcionamento para julgar, prender. Acho que tem que ir mais longe. A corrupção tem que ser atacada embaixo. Por isso, o Orçamento Participativo, além de garantir o conhecimento do funcionamento da máquina pública, também coloca o cidadão lá na origem do levantamento das receitas e da aplicação dos recursos. Que interesses se atendem com a política de investimentos, por que a estrutura tributária está montada assim, por que tem uma enorme renúncia tributária? Os favores tributários, a progressividade de tributos sobre as grandes fortunas e heranças, o capital especulativo – isso tem que ser discutido no OP, não só a aplicação dos recursos que sobram. Já se estaria eliminando o fio da corrupção.
Estou lendo um livro do senador Daniel Krieger, político da minha região das Missões, presidente da Arena, foi conspirador no golpe, depois líder de Castelo Branco. Ele conta sobre um episódio de1966, em que se prometia eleição, mas se atravessou Costa e Silva para ser o sucessor. Castelo, para garantir a sucessão tranquila, precisava cassar três senadores. Estava fazendo uma seleção e consultou Daniel Krieger. Citou José Ermírio de Moraes, apanhado com um saco de dinheiro comprando votos. “Presidente, o senhor tem que levar em conta que é um grande empresário e ele tem facilitado coisas no Congresso. E, depois, esse negócio de corrupção vem de muito tempo…” E ele não foi cassado. Daniel Krieger, representante da moralidade, da revolução, conta isso com a maior naturalidade.
Esse troço de corrupção… Figuras do PT jamais deviam ter cometido o que cometeram. Gente dentro e fora do governo, historicamente. É um tema tomado como principalidade, para desviar a atenção de um projeto efetivo para o país, que mexa com nas estruturas econômicas, que coloque o Estado sob o controle público efetivo. A corrupção é uma luta de bugio (quando lançam excrementos uns nos outros). Esta não resolve o problema sério das raízes da corrupção, as quais estão lá embaixo, além da falta de cidadania lá na origem. Como é o sujeito não ter que pagar imposto, ter privilégio? A fonte não é o deputado ou senador, que fazem parte, mas a corrupção que está dentro das empresas, no jogo de interesses dos caciques políticos. Então, acabar com a corrupção é ampliar o controle público sobre o Estado. Aí é uma luta política. Dilma propôs o sistema nacional de participação social. O projeto adversário impediu, quer uma democracia sem povo. Acham que o povo está se metendo demais, acham que estamos entregando o Estado para essa turma…. Como aquele deputado, que falou dos índios, quilombolas, homossexuais, “tudo o que não presta”. Esta elite que não tem nada a nos ensinar. É uma luta que vale a pena porque não é pequena.
“Acabar com a corrupção é ampliar o controle público sobre o Estado. Aí é uma luta política.”
Sul21- A que atribui esta onda de conservadorismo observando-se os novos eleitos?
Olívio- Não é caso isolado. Internacionalmente se vê este ressurgimento do pensamento de direita, especialmente na Europa. Falso moralismo, frieza na concepção materialista da vida no sentido pior, consumismo, comunicação instantânea, em que se diz o que bem entende sem se responsabilizar. Aliás, Dilma estabeleceu medidas de controle na internet para todos. Sobre o Conselho Nacional de Comunicação, os grandes grupos empresariais de comunicação se levantam, alegando que é uma tentativa de controle e censura. Aquele parlamentar que falou “tudo de ruim aqui no Rio Grande” teve uma das maiores votações para a bancada de centro-direita. Isso ocorreu em outras regiões, com a eleição de representantes do pensamento homofóbico, repressivo, que prega a redução da maioridade penal. Reconheço que temos problemas de segurança, acho que a polícia tem que ter qualificação permanente. Sou favorável à desmilitarização da polícia. Os problemas da democracia têm que ser resolvidos com mais democracia, não é estreitando espaços. Há um ressurgimento dessa coisa messiânica, uma coisa religiosa estreita. Temos que garantir a pluralidade. Mas a visão conservadora das bancadas religiosas, fazer da religião um comércio religioso, vira tudo uma picaretagem.
Além do pensamento reacionário, não só aqui como na Europa, há uma crise de valores. Existem interesses concretos em vários setores, não só da indústria armamentista, mas de medicamentos, laboratórios estão fazendo experiências com ser humano.
É preciso elaborar uma síntese nova. Eu gostaria que fossem as dores do parto, significa que está nascendo uma coisa nova e boa. Não tenho certeza com essas contorções, com guerras localizadas religiosas, miséria, fome, homofobia, erupções de violência. Pensamos no famoso e sonhado ser humano novo.
“Os problemas da democracia têm que ser resolvidos com mais democracia, não é estreitando espaços.”
Olívio critica a demonização da política|
Sul21 – Critica essas alianças com representantes religiosos?
Olívio – A democracia precisa de partidos; partido quer púlpito? A pregação religiosa não cabe em um estado democrático laico. Os partidos, em geral, no Brasil, estão desgastados por conta das articulações que fazem sem compromissos estratégicos – são compromissos imediatistas e passageiros. Ou porque assim como está, está interessando a grupos bem localizados para fazer mais dinheiro.
Sul21 – O senhor acha que a posição vai bater na tecla do antipetismo no segundo turno?
Olívio – É, e isso vem de longe em outras regiões do mundo. Tem a demonização da política e a tentativa de colocar na testa de alguém a minimalização, que identifica: isto aqui é o culpado, é o grupo dele, ou o pai dele, ou o avô dele. Essa lógica é uma lógica do absurdo, do autoritarismo, da verdade única, do retrocesso. Pensamos nas universidades: qual o papel delas neste mundo globalizado da comunicação ampla e imediata? Qual o papel das instituições mais duradouras? Estamos repensando isto? Acredito que tem fontes de geração de conhecimento e de reflexão que não são de internet, tão massificadora. Acredito num pensamento que, longe de ser conservador, reflete sobre heranças e possibilidades ainda mais novas, de criar relações humanas mais ricas.
Sul21 – A votação do candidato José Ivo Sartori lhe surpreendeu?
Olívio- Não, nada me surpreende nesse jogo, na forma como se dão as eleições, as meias verdades, as aparências, a superficialidade, onde a verdade nunca aflora, a capacidade de dizer a verdade pela metade e que dá uma vantagem a mais ou a menos sobre o adversário. Não trouxe nenhuma novidade, um pensamento novo: “que bom, a gente ser desafiado, que nos instiga a ver o que estamos fazendo, para fazer mais e melhor”. Não tem novidade nisso. Se não provoca uma meditação, apenas cria o ambiente do jogo da esperteza, do faz de conta. Midiaticamente tem vantagem. Não me espanta.
Sul21 – No primeiro turno, o candidato do PMDB usou a questão do não partidarismo, do “meu partido é o Rio Grande”.
Olívio – Isso é uma bobagem, dizer que os outros partidos são estreitos e ele faz parte de uma visão aberta… Ele é um partido como qualquer outro, o PMDB, cheio de interesses pessoais, grupais. Então, é desconversar, é uma esperteza, uma simbologia que não diz bem a realidade. “O Rio Grande para mim não é um partido, é uma paixão”. Acho uma pobreza essa figura por parte de seus autores e usuários. É o mesmo que dizer que “Deus é fiel”, estão reduzindo Deus a um torcedor do Corinthians. É um reducionismo. A mesma coisa com “meu partido é o Rio Grande”. A gente é candidato de um partido, são facetas, estilhaços que se articulam. É uma pobreza, mas uma esperteza. Nem literariamente é algo que pode merecer atenção.
Sul21 – Antes dessa, o senhor disputou a última eleição em 2006?
Olívio – Nem me lembro. Nunca participei de eleição por desejar, mas precisava ser candidato por defender o projeto coletivo de muita gente. Acho que o partido tem que ter mais capacidade, ser mais instigador. Podia contribuir bem mais no contexto com os demais partidos, para demarcar um programa transformador. O PT se transformou, reduzindo a sua potencialidade inicial. Mas não perdeu o seu cerne. É um projeto que não se esgotou, está passando por uma crise que merece atenção de todos os seus militantes e do pensamento progressista. Não pode ser um partido que vá se adaptando tão fácil à engrenagem. Não sendo o partido da transformação, mas da acomodação. Evidente que tem que ter capacidade de governar, de administrar, não ser elefante numa loja de louças, mas ser elemento fermentador da mudança permanente, ser uma escola de formação política. Os movimentos sociais já tomaram iniciativas muito importantes na história do Brasil. Política como construção do bem comum. Tenho afinidade com essa ideia. Mas não prego solução mágica. Muitas verdades precisam ser ditas cruzarem-se entre si para formar uma verdade síntese.
“(…) o livro deveria estar na cesta básica do brasileiro.”
Sul21 – Se o partido precisar, o senhor concorreria de novo?
Olívio – Não cogito. Não sou candidato, nunca fui, não quero ser.
Sul21 – E agora, qual o projeto?
Olívio- Acho verdadeira a frase clássica do latim cogito ergo sum (penso, logo existo). Não penso ser candidato a isto ou aquilo, mas penso na questão política, na cidadania, na comunidade, no país que temos. Pretendo organizar as leituras, tenho déficit de leitura histórico. Se eu puder, fico um ano só lendo. Percebi que o pessoal preso na repressão não perdeu tempo, fez leitura. Eles leram. Acho que fez um bem enorme para a maioria deles, o livro deveria estar na cesta básica do brasileiro.

*Colaborou Lorena Paim


domingo, 16 de março de 2014

Por que 64?

Há exatos 50 anos o Brasil protagonizava o apogeu de um processo político golpista, iniciado na década de 1950 e orquestrado internacionalmente pelos EUA, com a participação das elites subservientes ao capital estrangeiro, espalhadas por todo o território da nação. Chegava-se ao ponto. Um governante democraticamente eleito, com poderes reafirmados e legitimados em Plebiscito Nacional (95% dos votos), era deposto pela força das armas, acumpliciadas com tais elites e com seus senhores da América do Norte. A América para os (norte) americanos era aqui. Por quê?
Porque diferentes setores da sociedade brasileira, apoiadores do "grande irmão" em sua guerra fria (e santa) contra a União Soviética pelo domínio planetário, não podiam admitir o poder político do país nas mãos de grupos nacionalistas. Grupos que estariam, com suas propostas reformistas, subvertendo a ordem aqui estabelecida há 500 anos - a ordem do mais forte e do mais rico. O presidente da República, segundo eles, era um "subversivo": frouxo com os baderneiros, apoiava a encampação de empresas estrangeiras, propunha a reforma agrária desrespeitando o direito de propriedade, dava ouvidos à gentalha. Ouvia, inclusive, marinheiros e sargentos, ignorando o valor quase sacro da hierarquia. E tinha, além de tudo, simpatia pelos comunistas - "aqueles", que impediam o povo de ir à igreja, comiam criancinhas e, principalmente, queriam o poder para os "de baixo". Estava acuando o grande empresariado, os bancos, o latifúndio... produtores da riqueza nacional. As forças vivas deste chão, lideradas pelas valorosas forças armadas, deviam cumprir seu dever cívico e arrancá-lo do cargo. Foi o que fizeram.
Esta foi a versão espalhada nos quarteis e nas escolas, nas repartições públicas e nas igrejas, nos cafés e nos bordeis. Veio primeiro pelas ondas do rádio e pelas páginas dos grandes jornais. Depois, até pelos livros didáticos. Muitos acreditaram nela, transformando essa tentativa espúria de justificar o arbítrio numa vitória dos golpistas - a manipulação das mentes adormeceu as consciências. Então, "nossa pátria-mãe tão distraída", fugindo de uma hipotética república sindicalista, que ninguém sabe explicar como seria, mergulhou em um repugnante atoleiro verde que, por longuíssimos 21 anos, nos sujou até a alma. Mesmo entre os que logo perceberam ser aquele golpe civil-militar a expressão vencedora de um projeto societário mundial injusto, prepotente e excludente, muitos foram os que calaram. O medo justificava o silêncio, o oportunismo igualmente. E os tormentos vividos pelos que ousavam discordar em público pareciam indicar o caminho da prudência e da acomodação.
Entretanto, muitos foram também os que resistiram. Porque se negavam a entregar os espaços conquistados a duras penas. Porque estavam tomando parte em uma intensa organização popular, sem precedentes em nossa história. Porque queriam uma sociedade em que todos tivessem vez e voz. Porque já tinham lutado pela posse daquele Presidente. Foram vencidos, pela força bruta que se impôs e fez com o povo brasileiro "o que a força sempre faz", sob o olhar indiferente ou omisso das parcelas caladas. De imediato, a sede da União Nacional dos Estudantes foi incendiada no Rio de janeiro, centenas de sindicatos sofreram intervenção, muitos prefeitos, governadores e parlamentares foram cassados; as Ligas Camponesas foram dispersadas, lideranças populares foram desempregadas e presas, milhares de funcionários públicos militares e civis foram expurgados de seus cargos. Mas, mais adiante, ficaria pior.
Do regime ditatorial implantado no Brasil naquele 1º de abril, quem se beneficiou? Quem lucrou com a Transamazônica ou com a Ferrovia do Aço? Quem "viu" o milagre econômico? Quem sofreu com o arrocho salarial, o desemprego e o aumento da inflação? Quem comeu do bolo que o ministro Delfim Neto só fazia crescer e nunca repartia? Para impedir que perguntas como estas fossem feitas ou respondidas, a ditadura brasileira estabeleceu o Terror de Estado: censura, prisão, tortura e morte. Nossa sociedade encontrou-se, assim, com todos os seus problemas agravados e sem liberdade de escolha, sem poder de decisão, sem direito ao contraponto.
Na década de 1980, os ditadores recuaram, acossados pela nova onda de mobilização popular e pela crise capitalista do petróleo. O regime de força acabava e as elites brasileiras, com sua abertura "lenta, segura e gradual", buscaram o esquecimento. Esquecimento da brutalidade de uns, da covardia de outros e da dor e fome de justiça dos vencidos pelo golpe. Através dos grandes meios de comunicação, estas elites têm tentado, de novo, pela manipulação das mentes, o adormecer das consciências: "não foi tão ruim assim, teve um lado bom". Hoje, como ontem, há os que acreditam. Hoje, como ontem, há os que resistem - e contam esta história.
Maria