sexta-feira, 15 de outubro de 2021

CARTA A UMA PROFESSORA DO FUTURO

 PREZADA COLEGA
(no meu tempo, colega queria dizer companheira de colégio)

Se estiveres lendo esta carta é porque ainda existirão professoras no teu tempo. Melhor, ainda existirá um tempo.
Será, talvez, um tempo bom.
Significará que o meu tempo conseguiu vencer a barbárie, que a luta travada hoje terá garantido espaço para que a humanidade permaneça, para que o planeta continue acolhedor. E que professoras continuem sendo necessárias.
Por enquanto, "cá na terra", como cantou o grande Chico do meu tempo, muito desalento, muito olhar apagado, muita vontade de nada, muitas tentativas de fuga, muita carga extra, muito cansaço, muita desistência, muito adoecimento. "E a gente vai fumando, que também sem um cigarro ninguém aguenta este rojão."
No entanto, é importante que saibas, algumas forjam escudos com os próprios corpos e continuam a luta - "a gente vai só com o corpo", dizia outro dia um lutador-trabalhador-precarizado. Não era um professor, mas podia ser. Lutam por dignidade profissional, pela valorização da escola pública, por uma educação democrática e popular, pela vida. São todas as que, na contramão do seu próprio tempo, aprenderam a buscar saídas coletivamente.
Neste ano da graça em que te escrevo, estão perdendo a guerra. Os últimos ataques do capital têm sido de uma ferocidade ímpar. Mas elas não abandonaram o campo de batalha. Continuam resistindo. 
O que falta agora a estas guerreiras, para que tenhas mais chances de existir aí no futuro, é a compreensão de que resistir não basta. Há que contra-atacar. Tanto em um espaço até aqui pouco usado pela luta, que é o espaço curricular, como no espaço do movimento popular, onde só entrelaçando cada vez mais as partes será possível chegar a um todo que grite em uníssono por uma sociedade socialista. Porque esta é a  condição para vencer a barbárie, aquela que citei no início.
Como não te falei das flores, vou te falar dos cantos. De guerra. Um deles começava assim: "Avante Professoras! De pé! Unidas..." Era paródia de um outro, também de guerra: "Avante Brasileiros! De Pé! Unidos...".
Certa de que gostarás de saber notícias do passado para melhor compreender teu presente, te envio estas pinceladas da realidade do meu tempo para que descubras numa biblioteca  o que no meu hoje ainda não posso saber.
Um grande abraço, que seja capaz de atravessar o tempo...
                                                                                            MARIA 


sexta-feira, 8 de outubro de 2021

RETALHO DE MEMÓRIA - I

ATÉ A VITÓRIA, COMANDANTE

Há 54 anos, naquele outubro de 1967, em La Higuera, na Bolívia, mataram Che Guevara. Terminou naquele dia a "caçada" comandada pelo império colonial que fazia, e ainda faz, da América Latina o seu capacho. E se autodenomina "estados unidos da américa".
Desde 1965, Ernesto Rafael Guevara de La Serna andarilhava pelo mundo pobre, organizando a luta dos oprimidos contra os opressores. Acreditava que só a solidariedade internacionalizada e o entrelaçamento dela resultante, seriam capazes de levar adiante a Revolução Social.
Naquele tempo, a vitória de Cuba impressionava o mundo e impulsionava uma onda de vontades revolucionárias em todos os continentes. O apoio à resistência dos vietcongs funcionava como um catalizador dessas vontades e foi crescendo a partir das palavras dele: " A melhor maneira de ser solidário com o povo vietnamita é criar um, dois, três...Vietnãs. Coerentemente, juntando a prática ao discurso, foi tentar. Assustou e atraiu para si a ira dos "que mandavam", e continuam mandando.
Para a ditadura brasileira daquela época (1964/1985), o revolucionário saído de Cuba era "um facínora perigoso" que "merecia" a mais implacável perseguição. Nos idos de 1966, o governo militar do Brasil estava em alerta para a possível presença do Che em território nacional, uma vez que o "grande irmão" avisara que o guerrilheiro estava voltando da África. Documentos encontrados no arquivo do DOPS em Belo Horizonte comprovam isso. Embora sempre negado pelos militares, outros documentos também indicam que procurar eles procuraram.
Mais recentemente, na obra "Marighella" (Mário Magalhães, Cia das Letras), outra referência à presença de Ernesto no Brasil. Segundo o autor, em um dos passaportes encontrados com ele por ocasião da prisão na Bolívia constava um canhoto do Posto de Imigração de São Paulo, no dia 1 de novembro de 1966 e saída dois dias depois. O nome era Adolfo e a foto não lembrava em nada o herói de Cuba.
Para Moniz Bandeira, destacado historiador brasileiro ( "De Martí a Fidel - a Revolução Cubana e a América Latina", Civilização Brasileira,2009), também não há dúvidas sobre a passagem do Che por estas plagas. Teria vindo estabelecer contato com Mariguella  antes de entrar na Bolívia. Daqui teria ido para o Uruguai, para encontrar com Brizola . Só depois, o território boliviano.
Como se sabe, seu assassinato aconteceu dentro de uma escolinha primária. Pequena, perdida e miserável,  como todas as outras escolinhas rurais espalhadas pelo continente naquele tempo. Para ela o tinham levado, já ferido e imobilizado. Dizem, lá pelos planaltos bolivianos, que então ele pediu para falar com a professora do lugar. E que, curiosos, os soldados trouxeram a dita professora - o que quereria ele dizer a uma professora? Ela veio e ouviu: "Foi para transformar esta realidade que lutei."
Será que o compreendeu?
Compreender a importância de Ernesto Guevara para as lutadoras e os lutadores populares de hoje reside em compreender a atualidade dos valores que defendeu e a necessidade de radicalizar o combate contra a crescente opressão das maiorias. Até a vitória, um dia.

                                                                                                                  MARIA