quarta-feira, 23 de março de 2022

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA



"... a responsabilidade de ter olhos, quando muitos os perderam..."   

 José Saramago



Para a maior parte das pessoas, a ideologia que hoje domina nossas vidas é invisível. E essa invisibilidade tem sido a garantia para que atinja seu maior propósito - a ocultação dos reais interesses do capital, como bem a definiu Marx um dia. Afinal, pode haver força maior do que causar e não ser visto como causa?
Responsável pela grande crise financeira global em 2007/2008, pelo crescimento vertiginoso da concentração de renda e pelo recrudescimento da pobreza nas periferias do mundo rico, pela derrocada dos sistemas públicos de saúde, pelo colapso dos ecossistemas, pela regressão dos direitos trabalhistas, pela precarização dos sistemas públicos de educação, pelo culto ao consumo desenfreado, pelo ressurgimento  da direita política e do fascismo social, ainda assim continua querendo mais.
Seguindo em sua rota predatória, avança sobre a democracia representativa, sobre os direitos humanos, sobre o desenvolvimento científico, abrindo espaço para que a barbárie se imponha nas relações sociais. Sem precisar de disfarces, não se limita mais à repressão e à dominação  dos corpos. Está colonizando as mentes e produzindo sujeitos mutilados, porque incapazes de enxergar o caminho que os leva para trás a passos largos.
Estas gentes, pobres gentes, "marchando cegas pelo continente" não percebem o genocídio a que, literalmente, estão sendo submetidas, sacrificadas que são todo dia no altar erguido ao deus-mercado.
Aprender a lutar contra esta realidade, a contribuir para a elevação do nível de consciência política da classe trabalhadora, a desvelar a contradição maior da sociedade capitalista - que é parecer boa mesmo não sendo - exige disposição para formular questionamentos. Não haverá respostas, se não houver perguntas.
"Como se chegou a tal ponto?" talvez seja a questão mais significativa a ser levantada no momento. Quem sabe, um bom ponto de partida para as "atividades de formação" de todes que queiram levar adiante um grande movimento coletivo de alfabetização  do nosso povo.
Alfabetização política, que seja capaz de fazê-lo abrir os olhos.


O Analfabeto Político
" não sabe que da sua ignorância política nasce o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, corrupto, lacaio do capital..."
Bertolt Brecht

                                                                              MARIA








quarta-feira, 16 de março de 2022

O LARGO DA MATRIZ

 Este lugar é uma sala de aula. Aqui se ensina e se aprende o mais importante dos conteúdos escolares, da educação infantil aos cursos universitários - aquele que permite à classe trabalhadora compreender que não basta conhecer a realidade, é preciso lutar para transformá-la. Porque é injusta. Porque nela a ordem que impera é a ordem da humilhação cotidiana das maiorias e o progresso visível é apenas o progresso das minorias privilegiadas, donas do poder econômico.
Sua aula inaugural foi a campanha presidencial de 1989, a primeira depois dos longos anos ditatoriais.    ( Antes, as aulas eram dadas no coreto da Praça Tamandaré ) O objetivo de então era eleger um operário Presidente do Brasil. Quase foi atingido. Mas a  voz do inimigo vinha sempre precedida por um plim-plim. E se impôs. No entanto, as aulas não foram interrompidas. Atravessaram décadas. 
No momento, o povo da educação continua ocupando o Largo da Matriz, na luta pela escola pública. Sabe que educação não é tudo. Tudo é distribuição justa da renda nacional, é reforma agrária e reforma urbana, é orçamento participativo, é devolver ao povo o que do povo foi roubado. Mas sabe também, que se não é tudo, a educação pode ser parte significativa na construção de uma sociedade melhor. Por isso, o ataque feroz que vem sofrendo. Não por seus equívocos ou fragilidades, que ainda são muitos. Sim por suas possibilidades. 
A lição da hora é o reconhecimento de que não pode se levantar sozinho este povo da educação. É preciso que se levante a sociedade inteira: pais e mães, representantes parlamentares, movimentos sociais organizados e desorganizados, senhoras e senhores, meninas e meninos. Não só para defender a educação. Também para defender um projeto de mundo, de país, de estado e de cidade, em que seja possível a existência de uma escola democrática e popular, em todos os níveis.
Talvez um primeiro passo em direção a esse reconhecimento possa ser dado olhando a igreja. Não para admirar a longevidade dela, mas para saudar respeitosamente os trabalhadores escravizados que um dia a construíram. Afinal, são eles os pioneiros da luta que hoje levamos adiante.
Que atravesse os séculos o nosso aplauso.

                                                                                                                                         MARIA

quarta-feira, 2 de março de 2022

Tempo de Guerra

     " Se você não conhece as causas profundas do conflito, paz é  uma palavra de ordem  vazia. "                   DILMA ROUSSEFF    


A partir de 2010, uma onda de protestos emergiu no mundo árabe, iniciando na Tunísia e espalhando-se pela Argélia, Jordânia, Egito e Iêmen. Ficou conhecida como Primavera Árabe. Foi responsável pela queda de diversos governantes. Depois dela, outros protestos com características semelhantes foram explodindo pelo mundo - na Europa Central e do Leste ( Ucrânia em 2014 ), na América Latina ( Brasil em 2013 ) e na Ásia ( Hong Kong em 2019 ).
Inúmeras ONGS, grandes veículos de comunicação e variadas vozes da academia ( inclusive algumas identificadas com um pensamento  dito de esquerda ) não cansaram de louvar as manifestações "populares". Foi estabelecido um novo senso comum: os povos queriam liberdade e não suportavam mais as práticas corruptas dos administradores públicos. Por todos os lados era enaltecida a ausência de partidos políticos nos atos, a defesa genérica que faziam da democracia e do combate à corrupção. Louvou-se muito também a "espontaneidade" dos movimentos e a "excelência" das plataformas tecnológicas que permitiam, como nunca, a mobilização célere e eficaz de grandes massas populacionais.
Os EUA, governado então por Barack Obama ( com Biden de vice ), autodenominando-se " a maior democracia do mundo", manifestou seu encantamento com a conscientização inesperada das multidões que, apesar de quaisquer "ontens" começavam o milênio bradando contra os corruptos e os tiranos.
No calor da hora, poucos perceberam que os governantes depostos nessa guerra híbrida representavam uma oposição, ainda que incipiente, às pretensões imperialistas dos norte-americanos. E, até onde não foi possível efetivar realmente o golpe "brando", as consequências foram gigantescamente desastrosas para a classe trabalhadora. Perdeu-se de vez o tal "bem-estar social" nos lugares em que chegou a existir e a possibilidade de atingi-lo nos lugares em que nunca tinha chegado.
No entanto, para seguir em frente com seu projeto imperialista unipolar, não bastava ao grande capital, comandado por Washington e servido pela vassalagem da OTAN, fragilizar as forças opositoras periféricas. Era preciso sufocar os outros "grandes", que ousavam sugerir uma multipolaridade econômica e política para o Planeta Terra. Para quem, desde  "a queda do muro" em 1989, sentia-se dono do mundo, isso não era admissível.  
Por inúmeros fatores, entre os quais  cabe destacar sua localização eurasiana, seu dinamismo econômico e a simbologia que lhe é reservada na historia da luta entre as classes, a Rússia tornou-se o primeiro alvo a ser atingido. Arrancar de sua área de influência países como a Ucrânia, a Armênia, a Turquia, a Síria, a Macedônia, entre outros da vizinhança, cooptando-os para que participem do bloco armado liderado pelos EUA, foi o objetivo estabelecido para o atual período.
Assim, a guerra na Ucrânia não começou agora. E, apesar da narrativa predominante na imprensa ocidental, que responsabiliza o governo de Moscou pelo conflito armado, quem fechou as portas para uma solução diplomática foram os membros da OTAN tutelados pelo " grande irmão". A proposta inicialmente apresentada pelos russos era puramente defensiva e bastante razoável: o estabelecimento de uma zona neutra entre o território da Federação Russa e o território abrangido pelo Tratado do Atlântico Norte.
Por isso, todo apoio ao povo russo.
Abaixo o imperialismo.
Abaixo  o fascismo do Ocidente.
Abaixo a hipocrisia do opressor, de todos nós.
 
                                                                                            MARIA