sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A praia vazia

O Cassino surgiu na história do Rio Grande como uma estação de banhos destinada ao lazer da elite econômica do município. Na ocasião, a então Praia da Mangueira passou a chamar-se Vila Sequeira, em homenagem ao seu idealizador – Antônio Cândido Sequeira que, além de gostar de praia, era importante empresário do setor pesqueiro e gerente da companhia que, no início, explorou comercialmente a ferrovia construída para trazer ao mar os banhistas e veranistas da cidade. O nome que ficou, no entanto, tem sua origem no luxuoso cassino de roletas e bacará disponibilizado aos hóspedes do primeiro hotel aqui edificado, o atual Atlântico. Com o tempo e a fama adquirida pela extensão da praia, os ventos para cá foram trazendo famílias abastadas das mais diversas lonjuras e muito especialmente das nem tão distantes regiões de Pelotas e Bagé. Tal como os pioneiros rio-grandinos, elas gostavam da praia vazia e da imensidão do mar só para os olhos seus.
Por muitíssimos anos, o senso comum e seus registradores só enxergavam o Cassino do verão. A seus olhos e ouvidos, quando se iam os veranistas ia-se também a vida e quiçá até mesmo cessasse o murmurar das ondas. Ledo engano este do senso comum e dos seus registradores.
O mar não calava e a vida ficava. Ficava com aqueles que erguiam as paredes das belas vivendas e com os que limpavam e zelavam pelos “chalés” durante o inverno. Com os jardineiros, os Antônios da padaria, as camareiras dos hotéis, os cozinheiros dos restaurantes, os garçons e todos os outros prestadores de serviço aqui residentes. Ficava com os pescadores das “parelhas”, com os plantadores de cebola da Querência, com as professoras do Colégio... Ficava com o povo do Cassino, que gostava da praia vazia e da imensidão do mar só para os olhos seus.
A partir da década de 1970, começaram a chegar ao Balneário novos atores sociais. Eram na maioria jovens e traziam consigo a marca da rebeldia contra uma sociedade injusta e preconceituosa. Queriam mudar o mundo e começavam mudando-se para o Cassino. No inverno alugavam casas a preços baixos e no verão acampavam por aí. Criando raízes ou filhos, muitos foram ficando. Viraram cassineiros. Gostaram da praia vazia e da imensidão do mar só para os olhos seus.
Nos tempos que correm, caracterizados mundialmente por um modelo econômico cada vez mais predador de gentes e ambientes (apesar dos que gritam e protestam), o município do Rio Grande vive “a alegria e a dor” de se tornar um polo naval. Com os bilhões capitalistas, chegaram também milhares de trabalhadores querendo “melhorar de vida”.
Para o Cassino, este vertiginoso crescimento populacional da cidade trouxe como consequência uma ocupação em massa de ano inteiro, inédita em sua centenária existência. Mudança de tal porte representa um imenso desafio ao poder público, que precisa garantir a estrutura necessária ao bem viver dos moradores e ainda criar mecanismos capazes de interromper a especulação imobiliária e a degradação ambiental, ambas em acelerado andamento. Entretanto, maior ainda é o desafio colocado aos que vivem o Cassino – todos os dias, apenas no verão ou lá de vez em quando. É preciso com urgência aprender a usufrui-lo sem causar sua ruína. Cuidar cada rua como se cuida o jardim de casa. Só este respeito no trato, esta delicadeza no gesto, de todos e de cada um, vão permitir a continuidade dos encantos desta terra. E os que gostam, ainda poderão ver a praia vazia (e limpa) num amanhecer de verão ou numa tardinha gelada do inverno. Terão, nesses momentos, a imensidão do mar só para os olhos seus.
Maria