segunda-feira, 25 de julho de 2022

O IMPENSÁVEL A PENSAR

Lá na esquina histórica de 1964, o povo da luta acreditou de início que o golpe não ia vingar. Afinal, as instituições estavam funcionando. E os "movimentos" estavam organizados. E o povo tinha memória. E as classes dominantes não iam chegar a tanto. E a gente ia resistir. Logo, era impensável que vingasse. Mas vingou. 
Das instituições só sobraram espectros, dos parlamentos aos executivos estaduais e municipais, passando pelo sistema judiciário e culminando com ditadores fardados instalados em Brasília.
Os "movimentos" foram esfacelados. Incendiada a UNE, extintos os grêmios estudantis secundaristas, sob intervenção os sindicatos, presas ou assassinadas lideranças campesinas, cassados e exilados políticos  de oposição, perseguidos, caceteados, torturados e, muitas vezes mortos, todes que se rebelavam.
A memória do povo, sequestrada pelas mentiras oficiais, amplamente propagandeadas pela imprensa, pelas igrejas, pelos colégios e universidades, foi definhar na frente da tela da globo que surgia, onde a história visível era só a das novelas ou a das façanhas da nossa seleção de futebol.
As classes dominantes no país, subservientes ao "grande irmão do norte", nos entregaram por inteiro ao  furor do capital. Foi o modo que escolheram para garantir a continuidade de sua hegemonia interna.
Nossa resistência não bastou. Foi desbaratada e sucumbiu. Como cantou Belchior um dia, " a força veio e fez conosco o mal que a força sempre faz."
O impensável aconteceu.  Levou 21 anos para ir embora.
Em 2016, de novo entre o malho e a bigorna do capital, começamos a testemunhar um avanço reverso da história na direção desse passado extremado, em que era preciso fechar os olhos para seguir adiante e calar a voz para sossegar o medo, ainda que aos ouvidos chegassem os sussurros dos famintos,  dos censurados, dos povos originários, dos favelados, dos comunistas, dos. 
E, de novo, não se pensou no impensável.
Era impensável a concretização do impedimento de Dilma, uma mulher honesta. "Não vai ter golpe!"  era o nosso grito e a nossa crença. Mas concretizou-se.
Era impensável a aprovação das reformas do Temer. A classe trabalhadora ia resistir. "Não passarão!", gritava-se nas ruas. Não o suficiente. Passaram todas.
Era impensável a prisão de Lula. Ele era inocente. E o povo tinha memória. Foram 580 dias de vigília em Curitiba.
Era impensável a eleição da besta-fera. As classes dominantes não chegariam a tanto. Mas chegaram.
No início de 2019, era impensável o grau que a vilania atingiria no desgoverno eleito. Esperava-se mas não tanto. Ela nos assombra a cada dia desde então. Quando acreditamos estar atingindo o ponto máximo da degradação política e social, degradamos mais um pouco. Mesmo com as instituições todas "funcionando".
De novo, a materialização do não-pensável.
Neste 2022, qual impensável nos aguarda atrás da esquina?
A extrema-direita mundial, aqui representada pelo bolsonarismo, não quer a realização das eleições de 2 de outubro no Brasil. Está operando para que não aconteçam. Sabe que precisa impedi-las para continuar no poder político, a serviço da parcela mais abjeta da já abjeta sociedade capitalista. Os ataques cotidianos do presidente da república ao sistema eleitoral fazem parte desta operação. Servem para manter incontidos  os crimes de ódio praticados por seus apoiadores. Abrem caminho ao assalto. Conclamam para a guerra. Enquanto isso, "tenebrosas transações" entre o capital e a caserna vão garantindo o avanço da conspiração nos salões acarpetados.
Sua continuidade no Planalto, rompido de vez o pacto constitucional, representará, sem margem para qualquer dúvida, o aprofundamento da tirania miliciana que hoje assola o país, fardada e não-fardada.. Sustentada por fabricantes de armas, por setores significativos do agronegócio, por mineradoras transnacionais, por exploradores da religiosidade popular, pela avidez do capital financeiro, vai impor nosso silêncio.
Este o impensável na espreita. Talvez seja hora de começar a pensá-lo.
Não para lamentar nas "redes".   
Sim para, nas ruas, impedir que aconteça.


                                                
                                                                     MARIA