sábado, 30 de setembro de 2023

OS CAMINHOS PARA 2024

 " SE FOSSE RESOLVER,
    QUERIA TE DIZER..."
Osvaldo Montenegro, " Agonia"


Momento eleitoral nos municípios, 2024 poderia tecer uma rede de comprometimento popular com o projeto de mundo defendido internacionalmente por Lula. Ou não, se mantido for o mergulho das organizações de esquerda na cultura política tradicional. Mergulho este que as faz enxergar o povo "de fora", quando não "de cima", e, a si mesmas, como "defensoras" e não como "organizadoras" da classe trabalhadora.
Caso a opção fosse pela tecitura da rede popular,  seria uma escolha difícil, embora aparentemente simples. Iria exigir a superação do personalismo, do voluntarismo arbitrário, da auto louvação incessante, do poder decisório nas mãos de poucos, tão presentes em todos os lados.
Seria necessário apostar na construção coletiva das inserções individuais nos diferentes espaços de luta entre as classes - conselhos, fóruns, congressos, conferências, comitês, tribunas parlamentares, direções partidárias e sindicais. Porque só  um sujeito coletivo será capaz de virar o jogo e garantir uma vitória que não seja de pirro. Nesse sentido, talvez fosse oportuno ampliar e aprofundar a discussão sobre voto nominal e voto em lista. Qual deles seria melhor para a formação deste sujeito coletivo?
Seria, ainda, fundamental buscar a formação política da militância social. Aquela só alcançada pela combinação sistemática entre reflexão coletiva e ação direta na ruas. A avaliação de cada passo para identificar os erros nele cometidos, evitando-os  no passo seguinte, seria indissociável de uma qualificação assim levada adiante.
Mais do que tudo isso, no entanto, tal caminho, caso aberto, iria requerer "uma posição à esquerda do possível", como dizia um velho mestre do século XX. Não por delírio ou insensatez, mas por conhecimento histórico da luta. Todos os avanços obtidos pelos oprimidos quanto a direitos e qualidade de vida nos últimos duzentos anos foram devidos à coragem daquelas e daqueles que se colocaram à esquerda do possível. E lutaram pelo improvável.
Quando o PT surgiu na cena política brasileira e latino-americana, lá no início da década de 1980, trazia consigo o grito sufocado, a fome de pão e de justiça, o sangue derramado, o sonho da Revolução, a proposta de uma governança democrática e popular e, como horizonte, uma sociedade socialista.
Espalhou-se pelas esquinas e nas praças. Nas portas das fábricas e dos colégios. Nas rodas do porto e nos botecos das periferias. Nas sacristias das igrejas libertárias e nas assembleias sindicais.
Encantou corações e mentes pela ousadia de ser diferente e propor o novo. E pela ardência... Pelos mesmos motivos, também despertou medo e ódio.  Preconceitos, constrangimentos , perseguições, não foram poucos. Bem pouco provável que vingasse, mas vingou. Ao longo da década de 1990, Prefeituras foram sendo conquistadas no país inteiro, o "modo petista" de governar espraiou-se pelas ruas de cidades grandes e pequenas. Um Orçamento Participativo radical, uma Escola Cabana ou Cidadã, a Constituinte Escolar, a valorização dos servidores públicos, o respeito pelos movimentos sociais, faziam parte. Do novo e do improvável. A campanha para o governo estadual em 1998 "vermelhou" o Rio Grande. Não tinha filiada ou filiado que saísse de manhã para trabalhar sem a bandeira nas costas e um RBS MENTE colado na mochila ou na bicicleta. Na posse de Olívio, as bandeiras de Cuba e do MST tremularam nas janelas do Piratini. Depois, no alvorecer do XXI, a estrela chegou ao Palácio do Planalto. Ainda levava consigo o desejo de pagar dívidas históricas e  de fazer diferente. E os governos Lula e Dilma muito fizeram  em termos de políticas sociais para "melhorar" a vida do povo. No entanto, reformas estruturais nunca foram feitas, a economia seguiu norteada pelo neoliberalismo, a concentração de renda continuou inalterada, o agronegócio manteve o latifúndio e a mídia burguesa permaneceu intocada. O protagonismo do Partido foi esfacelado pela institucionalidade.
O tempo passou. Veio o golpe, a prisão de Lula, o neofascismo, a eleição de nossas vidas e a oportunidade de recomeçar, mesmo sem a guerra acabar. A história que virá vai depender da escolha do caminho para esse recomeço. É pouco provável que seja o da construção da rede. Mas ele não é impossível de trilhar. Só está à esquerda do possível.
   
                                                                                                       MARIA

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

A HISTÓRIA QUE NOS CONTAM

 Por longuíssimos 21 anos, em todos os dias 31 de março os colégios eram "orientados" a comemorar a "revolução de 64" - bandeira nacional içada aos ventos, mão no peito para cantar o hino, fala da diretora louvando as "forças armadas", que tinham salvo o Brasil dos "comunistas". Aplausos. E algum castigo para os estudantes que não tivessem ficado suficientemente impávidos  durante o momento cívico. Nas periferias, o mais usado era a suspender a merenda do dia. E 31 de março nem era a data certa. O fato comemorado fora concretizado no dia primeiro de abril. Mas o erro não se tratava de um descuido histórico, fazia parte da estratégia. Primeiro de abril não era um dia apropriado para a "construção" de uma verdade patriótica porque podia parecer mentira. Ficou tão sedimentada a versão propagada que, quando o mau tempo acabou, alguns continuaram celebrando. Tinha virado tradição...
Ao final do século XIX, nos primórdios republicanos, o povo, apanhando do governo novo, começava a perceber que "república" não significava necessariamente "povo no poder". E sentia saudades do imperador. Os senhores da nova ordem entenderam, então, que estava faltando um herói que ajudasse na legitimação simbólica do regime recém instaurado. Um republicano raiz. Mas, olhando na volta, não encontraram ninguém. Foram, então, buscar no passado. Chegaram em Tiradentes, o bandido mor da monarquia. Trouxeram-no para defender a república, colocando a si próprios como os realizadores do sonho daquele mártir da liberdade. Como parte do plano, apressaram-se em decretar o 21 de abril como feriado nacional. Herói-feriado é mais lembrado ainda. E Tiradentes, um militar, atravessou o século XX sendo "promovido" - patrono das polícias, ´patrono cívico da nação, herói da pátria. Mesmo sem rosto e sem corpo. A face do Cristo que lhe deram e a farda de alferes que tinha bastaram para garantir ao povo que a república valia a pena. Mesmo que a vida não melhorasse.
Em 1994, por iniciativa do então ministro do exército (o ministério da defesa só seria criado em 1999), foi estabelecido que 19 de abril seria o "dia do exército". Um afago na autoestima dos soldados, tão abalada desde o fim do regime por eles "comandado". Mas por que 19 de abril? Porque era a data da Batalha dos Guararapes, acontecida em 1648, durante a insurreição pernambucana contra o holandeses que ocupavam a região. E nos quartéis era considerada o marco simbólico da criação do exército brasileiro. Mesmo que em tal tempo não existisse ainda um Brasil. As  "forças armadas" outorgavam-se o papel de precursoras da nacionalidade, manifestação primeira  da identidade patriótica, fundadoras...
Logo após a nossa chamada "independência", a "coroa do fundador" era mostrada ao povo como o símbolo da soberania do país. Era a classe dominante induzindo o povo a ver no príncipe governante a representação da liberdade nacional.  A data primeiramente escolhida para celebrar o aniversário da "pátria" recém nascida foi 12 de outubro. Dia em que "pela escolha dos povos nas praças públicas" D. Pedro tinha sido aclamado imperador do Brasil. Talvez não por acaso, também dia do seu aniversário. Mas, em 1831, ano da abdicação, a assembleia imperial decidiu que a partir de 1832, o 12 de outubro não devia mais fazer parte dos festejos da independência. Ela passaria a ser comemorada em 7 de setembro - o dia em que "uma espada", do guerreiro salvador, fora levantada para garantir a "libertação". Era a militarização da vida política começando a caminhar devagar  na terra brasilis.
É assim a história que nos contam. Plena de tradições, protagonizada por heróis, forjada nos palácios e nos quartéis, transmitida pelas instituições, indutora de preconceitos e submissões. Escrita e divulgada para atender as necessidades e interesses das classes economicamente dominantes. Garante, acima de tudo, a continuidade da cegueira ideológica  que sustenta o capital. 


                                                                                                        MARIA