quinta-feira, 13 de novembro de 2014

POLÍTICA EDUCACIONAL DO REGIME MILITAR - POR QUE LEMBRAR?

Lembrar o passado pode ser fundamental. Não para vivê-lo outra vez, mas para seguir em frente, enriquecidos pelo conhecimento que este "olhar para trás" pode proporcionar. Sem saudosismo.
O resgate histórico do tratamento dado à educação em determinado espaço/tempo permite compreender os objetivos explícitos e implícitos das políticas públicas que organizam ou desorganizam a sociedade como um todo. Na trajetória educacional estão plantadas as contradições, veladas ou não, que permeiam o tecido social. Nela estão também expressos os avanços obtidos pelas lutas coletivas para desvelar e, quiçá, superar tais contradições.
A política educacional do regime militar brasileiro não pretendia contribuir para o exercício consciente da cidadania, como afirmava o Artigo 1º da sua Lei outorgada. Sua meta, ao contrário, era o adormecer das consciências. Pelo vício de origem que continha, não poderia ser diferente. Ela não começou naquele tenebroso abril, seu traçado principiou bem antes. Corria o ano de 1961.
Jânio Quadros no Brasil. John Kennedy no EUA. No Rio Grande do Sul, um governador "que tinha mandado a ITT embora". Cuba, recentemente libertada por seu povo, semeando esperança entre os milhões de miseráveis da Latino-América. Ernesto Guevara, recebido com honras pelos governos nacionalistas ao sul do Equador (no Brasil, condecorado). Sinal de perigo. Para quem?
O "império" precisava reagir, mas com metralhadoras e fuzis saíra corrido de La Playa Giron. Oficialmente, mudou a estratégia. Escondeu as armas nos navios, chamou os embaixadores latinos para uma festa e apresentou um projeto chamado "Aliança para o Progresso", sem explicar quem iria progredir. Aparentemente, era um programa destinado a acelerar o desenvolvimento econômico, melhorando a EDUCAÇÃO, a saúde e a habitação nos pobres países latino-americanos. Na realidade, era um plano para intervir na elaboração e na execução de políticas públicas por toda a América. Com dois objetivos: frear a influência revolucionária dos cubanos no continente e nele ampliar, ainda mais, o espaço e o "progresso" das empresas multinacionais ou apenas estadunidenses. Típico da guerra-fria. A entidade articuladora dos acordos a serem firmados com cada país seria a "Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Econômico" (a famigerada USAID). O dinheiro disponibilizado foi tanto que, na Conferência da OEA em Punta del Este, todos, com exceção de Cuba, aceitaram. Esta aceitação adubou a erva-daninha que muito em breve cobriria o território continental. E deu licença para que técnicos dos EUA começassem a planejar a educação escolarizada dos tempos que viriam. Ficava claro também na aliança consagrada que "o grande irmão" não iria admitir desobediências, nem "política externa independente", muito menos "reformas de base", em nenhum dos países participantes.
Hoje, é de domínio público que o golpe político de 1964 foi fruto de um pacto criminoso entre o capital internacional comandado pelos EUA e uma parcela significativa da elite econômica brasileira liderada pelas forças armadas. É público também o motivo que originou tal pacto de lesa-pátria: a direita do Brasil apelava ao golpismo porque não conseguia ganhar no voto. A UDN, seu principal Partido, e democrática só no nome, nunca obtivera uma vitória para a Presidência da República.
Por conta dessa rejeição eleitoral e do medo de perder privilégios mantidos desde os primórdios coloniais, já tentara um golpe em 1954, sendo naquele momento vencida pelo tiro certeiro de Vargas no próprio coração. Tentara de novo em 1955, querendo impedir a posse do eleito JK, sendo então barrada pela ação enérgica do Marechal Teixeira Lott. E tentara ainda outra vez em 1961, quando fora silenciada pela voz aguerrida e brava do governador Leonel Brizola.
Precavida, em 1964 vestiu-se de verde-oliva e aliou os próprios interesses aos  da grande potência do Norte. Assim venceu. A "Aliança para o Progresso de Alguns" firmou-se finalmente em terras brasileiras. E os acordos MEC-USAID passaram a ditar os rumos da educação nacional.
Neste contexto, as políticas para o campo educacional foram pautadas por duas grandes necessidades do regime: concretizar a dominação ideológica, facilitando a legitimação do arbítrio e preparar mão de obra barata, facilitando a expansão industrial em curso. Para atingir tais objetivos, duas grandes alterações curriculares foram efetivadas. Diminuiu-se significativamente a área das Ciências Humanas, expandindo-se superficialmente a área Técnica e profissionalizou-se obrigatoriamente o 2º Grau, degradando-se a formação geral. Tudo isso tendo por base a Teoria do Capital Humano. Formando analfabetos políticos e trabalhadores submissos ao sistema, o ensino escolarizado serviu à ordem estabelecida.
De início, a consciência política dos educadores também foi ofuscada. Pelo brilho das metodologias e técnicas importadas, difundidas em incontáveis reuniões de "reciclagem". Ou pelo medo.
Com o tempo, no entanto, as práticas docentes transplantadas, descoladas da realidade cotidiana e arbitrariamente propagadas, foram criando uma grande insatisfação com o trabalho realizado. Além disso, provocaram um gigantesco fracasso escolar que, marcando uma geração inteira, e sem satisfazer o empresariado, ocasionou um recuo do próprio MEC. Começava a ruir o decantado projeto de "modernização" do ensino brasileiro. 
Enquanto isso, pelas brechas, professoras e professores foram aprendendo a resistir. Nas lutas para derrubar a ditadura foram derrubando também a proposta educacional dos ditadores. Que só deve ser lembrada para que não se pense em repeti-la.
Maria

SUGESTÃO DE LEITURA