segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Um problema chamado Paulo Freire

A Região Nordeste do Brasil foi o cenário geográfico e histórico em que nasceu Paulo Freire, o maior mestre do século XX, no dia 19 de setembro de 1921. Lá, ele começou a aprender e a ensinar, mas foi o mundo a grande sala de aula em que viveu. No mundo, espalhou as sementes das suas pedagogias - do Oprimido, da Esperança, da Autonomia. E, com ele, compartilhou os frutos dessa semeadura. Falou aos quatro ventos, mas escutou especialmente o vento sul, carregado das vozes dos deserdados da Terra. Tomava partido, sempre. Partido de classe. Via a educação como instrumento de libertação social, ou não.Reconhecia os limites e vislumbrava as possibilidades da prática político-pedagógica numa sociedade dividida em classes. E tinha a firme convicção de que "a realidade só é até que... a gente interfira nela".
Entretanto, enquanto era acolhido e respeitado em diferentes países e continentes, na "pátria-amada", durante os longos anos de chumbo do regime militar, foi criticado, perseguido, ignorado, até odiado, por aqueles que não o compreendiam e por alguns que o compreendiam bem demais. Mesmo assim, aqui também logrou saltar o muro da escola e chegar à sala dos professores, levando consigo as merendeiras, as serventes, as secretárias, os estudantes, a realidade social e o desejo de transformá-la. Orientou os fazeres pedagógicos de muitos, atraindo-os por sua coerência existencial. Fazia o que dizia, coisa rara na prática educativa de todos os tempos. 
Ensinava a ensinar desmascarando o mito da neutralidade educacional, a intencionalidade de classe da educação "bancária", a farsa dos discursos acadêmicos que se eternizavam só discursos, as contradições entre as linhas e as entrelinhas dos currículos escolares tradicionais, incluindo aí os currículos dos cursos universitários de formação de professores. Era difícil segui-lo. "Exigia" muito. Exigia rupturas, ousadias, compromissos, releituras e, sobretudo, posição. Compreendia as contradições humanas, mas considerava inaceitáveis entre educadores a omissão e a demagogia.
Era um irredutível, na medida em que não admitia a redução da educação à mera transmissão de informações, ao treinamento de competências mercadológicas, à ilustração intelectual. Sua proposta político-pedagógica era de rebelião, de insurgência, de desacato. Propunha a construção democrática do currículo inédito, a partir da realidade de cada comunidade escolar e pela própria comunidade escolar. Sabia, e propagava, que a educação, não sendo tudo nem o todo, pode ser parte significativa na luta contra o capitalismo predador dos corpos e das consciências. Era um anticapitalista publicamente assumido e militantemente organizado. 
Nos tempos que correm, muita louvação, muitas homenagens, muito consenso acadêmico, mas também muita apropriação indébita da sua palavra. Na realidade, está perdendo a guerra. As políticas educacionais predominantes no Brasil hoje, embora algumas fantasiadas de freirianas, são distorções ofensivas ao seu pensamento. Elas continuam servindo ao capital. Continuam oferecendo o espaço escolar público para a adequação da juventude às exigências do deus-mercado, inquestionável porque deus. A miserabilidade salarial dos trabalhadores em educação e a degradação de suas condições de trabalho fazem parte da estratégia. Professores e funcionários de escola melhor remunerados, com tempo disponível para o pensamento e a  reflexão, talvez queiram reler Paulo Freire. Quem sabe segui-lo... 
Seria um problema.
Maria


 

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