"Ser um fator de subversão da ordem estabelecida
ou uma peça na engrenagem política tradicional?"
Pergunta escrita no muro
O PT é hoje constituído por mais de dois milhões de filiados em torno de um objetivo comum - a transformação da realidade social. Pelo menos em tese. Somos muitos e somos múltiplos. Tantos e tão múltiplos que, na prática, está ficando cada vez menos nítida a consistência do dito objetivo comum.
Forjado nos embates contra a opressão política e a exploração econômica no final da década de 1970, o Partido cresceu e se fortaleceu no imaginário do povo brasileiro como um instrumento de luta por justiça social e soberania nacional.
Na atualidade, grande parte da sociedade já não acredita nisso. Muito por conta da guerra suja travada contra ele pelas camadas dominantes social e economicamente. Mas, inegavelmente, muito também por conta do seu afastamento dos espaços de luta comunitária e popular. Ocupado com a institucionalidade, desaprendeu a linguagem da rua. Fragilizou-se como nunca porque perdeu sua histórica capacidade de mobilização e organização das massas. Pior, foi deixando de querer mobilizar e organizar. E era essa a sua força, nascida da coerência entre o dito e o feito.
Administrando o capitalismo foi degradando seu caráter de classe. Apartado do povo, aprendeu a silenciar, escondendo, os motivos e os significados das propostas que defende e incrementa.
Talvez envergonhado por ter cedido ao "espirito do tempo", saiu da parada de ônibus, da esquina, da praça pública. Recolheu-se ao espaço das telinhas e das "redes". Enquanto isso, no Senado, por exemplo, vota unanimemente pela criação de um dia para festejar a "amizade" entre Brasil e Israel. E nenhum Diretório Municipal ou Estadual, elaborou, sequer, uma nota de repúdio a tamanho descalabro humanitário. Por que será? A militância petista tem o direito de saber.
Mesmo assim, causa espanto a incompatibilidade entre as evidentes iniciativas do governo Lula III, do qual faz parte, para conter o horror social desencadeado com o golpe de 2016, acentuado com o governo da extrema direita fardada de bolsonarismo, e as pesquisas de opinião divulgadas frequentemente sobre ele. Setenta por cento de notas baixas ou regulares é bem difícil de absorver racionalmente. Ainda que as expectativas populares sejam maiores, que pontos estruturais significativos não tenham sido tocados e a política econômica neoliberal permaneça intacta. Não é simples nem fácil chegar a compreensão desta realidade, porque múltiplos são os fatores que a determinam e condicionam a continuidade da hegemonia do extremismo de direita na sociedade.
Primeiramente, por tratar-se de um fenômeno sociológico global, não apenas brasileiro ou latino- americano. E isso todos e todas sabem que é muito determinante. Até serve, as vezes, para "justificar" certas submissões.
Em segundo lugar, porque este comportamento político não começou ontem, nem em 2016. Nasceu nas salas acarpetadas dos capitalistas, assessorados por competentes "intelectuais orgânicos", para solucionar a crise terminal em que se encontra o modo de produção mais devastador de todos os já criados pela humanidade. Para que não termine, permaneça até que o planeta não mais consiga sustentar a vida humana. Desde a década de 1990 espalhou-se sorrateiramente, não só para barrar novos avanços das classes trabalhadoras como para destruir todas as conquistas obtidas pela luta ao longo do século XX. Em busca do lucro máximo.
O primeiro passo dos "donos" do mundo em direção a tal objetivo foi quebrar qualquer resistência ao seu novo/velho projeto de dominação. A qualquer preço. Pela força bruta, pela colonização das mentes, pela aceleração da vida cotidiana, pelo apagamento da memória histórica, pela louvação da "persona" em detrimento da louvação da "tribo". Pela ilusão de ótica inerente à tecnologia digital, quando utilizada acrítica e irrefletidamente. Passo até aqui dado com sucesso. A jaula parece mesmo de aço.
As guerras várias, o genocídio do povo palestino e de inúmeros povos africanos, a exasperação das desigualdades sociais, a má distribuição da terra no campo e na cidade, as catástrofes climáticas recorrentes, a inoperância de governos ditos progressistas para reverter tal conjuntura e a consequente demonização da política, testemunham esta realidade. De novo, verdadeiramente,, só a tecnologia - fascinante, encantadora, viciante, quase mágica. A lógica algorítmica e a crença religiosa promovendo um avanço gigante da desinformação e do engano. Frente a tudo isso, a questão que grita no peito de muitas e muitos é, sem dúvida, "o que fazer?", como há tanto tempo já se perguntava o grande Lenim.
No momento, o PT está vivenciando o processo eleitoral interno que renova suas instâncias de direção em nível nacional, estadual e municipal. Processo este que perde qualquer sentido se não tiver por eixo uma outra questão inseparável da primeira - por onde ir? No caso de uma organização política que ainda se intitula ferramenta de luta social, o caminho escolhido é o que vai dizer se ainda sabemos o que deve ser feito. E, se não sabendo, estamos dispostos a aprender.
O discurso que hoje fala mais alto no interior do partido defende não balançar o barco mais do que o minimamente necessário para ganhar eleições, sejam externas ou internas. Aquele mínimo que garante alguns benefícios ao precariado e a continuidade dos privilégios aos já historicamente privilegiados. Mínimo que não se traduz em qualquer prática transformadora.
Qual é a meta deste rumo, afinal? Tendo em vista que não é de hoje a estratégia. Data, por alto, lá de 2003 quando chegamos a presidência da republica. E nos levou a 2016, quando não ia ter golpe, mas teve. E a 2018, quando íamos voltar à presidência da nação, mas não voltamos. E a 2023, quando seria iniciado um governo de "união e reconstrução", mas o neoliberalismo continuou governando via congresso nacional. E a 2025, quando o balanço moderado do barco nos levaria a um porto seguro, mas não levou.
Há que aproveitar o PED ´para refletir sobre essa trajetória, identificando suas contradições. O reconhecimento dos equívocos que impregnam a estrutura partidária, os governos petistas e nossos mandatos parlamentares exige uma firmeza de propósito que, coletivamente, não temos neste instante. Mas podemos perseguir. Porque seguir como estamos, com uma predominância explícita do individualismo e do personalismo exacerbado, é o sinal maior de que, mesmo entre nós, o sistema capitalista está vencendo.
Há quem pense que uma aceitação realista das regras políticas do mundo capitalista seja o único caminho possível. Há quem pense que não. É disso que precisa tratar o debate a ser feito. Tudo o mais será consequência.
Sendo assim, sejam quais forem os encaminhamentos acordados, precisam estar referenciados no mais básico princípio petista - a construção coletiva da inserção partidária na luta entre as classes.
MARIA