segunda-feira, 18 de agosto de 2025

CINEMA DE CALÇADA

 



O texto que segue foi escrito no final de agosto de 2008. Celebrava a inauguração do Cine Dunas Cidade. Foi fruto de um  gostar profundo, só traduzido na íntegra pela palavra amigo. Mas foi também fruto da intenção objetiva de registrar o significado histórico dos "cinemas de calçada" na construção da sociabilidade urbana.
Hoje, com as portas já fechadas pelo tempo e as luzes apagadas pela pandemia, o Cine Dunas permanece na memória da cidade como o ponto de encontro  e resistência que sempre foi. Fazendo sua própria história, foi tecendo junto  parcela significativa da história do Rio Grande. 
Neste agosto de 25, veio parar no "mariabonita"  como testemunho de um tempo vivido.



                                                                    "O amor é simples. E as coisas simples, as devora o tempo", escreveu um poeta faz tempo. " Nem sempre", escreveu um outro.





                                                               CINEMA  DE CALÇADA


Rio Grande teve inaugurada, em 25 de agosto passado, uma nova sala de cinema - o Cine Dunas Cidade. Com isso, resgata-se entre nós a tradição cultural dos cinemas de calçada.
Do Cine Teatro Carlos Gomes que, no início da década de 60 do século XX, já estava com as cadeiras sem estofo, mas, nas lotadas "matinées" de domingo, ainda recebia a gurizada que lá ia namorar e ver filmes de "mocinho", alguns torcendo pelos índios. A máquina sempre falhava, acendendo as luzes de repente e deixando ver outros tantos "filmes" espalhados  pela sala. Foi nele, nessa mesma  época, que as estudantes do Curso Normal do Juvenal Miller, que faziam teatro, puderam assistir "Navalha na Carne", com Plínio Marcos. Depois, a professora justificou-se afirmando não saber que a peça era tão "forte".
Do Sete de Setembro, que era o cinema da segunda-feira. Requintado, estofado verde, filmes "cult". Nele, além do filme, imperdíveis eram as notícias do Canal 100 exibidas no início de cada sessão. Era nele que se viam as jogadas e os maravilhosos gols  feitos pelo Garrincha uma semana antes. Na saída, um docinho no "Sol de Ouro".
Do Glória, majestoso pela amplidão, que atraia e acolhia multidões. Para a sessão de domingo, era preciso chegar cedo ou não se encontraria desocupado nenhum dos seus dois mil lugares. Entrava-se, "guardava-se" um lugar e se ia passear em seus corredores-avenida. Via-se a turma da esquerda, a turma da Luís Loréa, a turma do fundão...Quem chegasse cedo, recebia também "O Peixeiro", um jornalzinho com folhas cor-de-rosa e versos de J.G. de Araújo Jorge.
Sabemos que as lembranças, como os cheiros, chegam vindas não se sabe de onde e que por elas o passado se faz presente. Mas o jovem Cine Dunas resgata mais do que os rastros deixados pela história. Resgata espaço de trabalho. Em sua equipe de profissionais encontram-se Cleber e Simão, que um dia atuaram no antigo Cine Glória. Hoje podem ensinar o que aprenderam, um elo foi estabelecido. O filme recomeça, iluminando o conhecimento construído na experiência.
Em tempos de "império da telinha", em que o medo ou o cansaço deixa os humanos incomunicáveis na dita era da comunicação, o cinema pode ser, além de entretenimento e cultura, um ponto de encontro. Por isso, é preciso dizer às crianças e aos jovens desta geração "telinha" que, de vez em quando, faz falta uma "telona". Para que se olhe grande, para que se olhe mais. Para que se olhe junto.
E, olhando junto com todas e todos que já foram conhecer o Cine Dunas Cidade, bom também é perceber que a ousadia não morreu. Ainda há quem ouse. Porque é de ousadia que se trata quando se fala em abrir cinemas neste alvorecer do XXI.
Cleyton e Janete ousaram ao abrir o Cine Dunas Cassino. Agora ousaram mais ao presentear também a cidade com a belíssima sala da Rua Andradas, de onde até se pode ver, das sacadas, os "fundos do Cine Sete".
É uma ousadia que merece o respeito e o prestígio de todas e todos que acreditam ser um Ponto de Encontro algo a ser respeitado e prestigiado.
Numa terra de muitos ventos trazendo e levando areias, que os braços dos rio-grandinos sejam fortes o bastante para reter estas Dunas no Cassino e na Cidade.


                                                                                                       MARIA

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