quarta-feira, 20 de março de 2013

A história que se sabe

A História, enquanto disciplina escolar autônoma, surgiu na Europa, no século XIX, como parte da disputa entre o poder religioso (defensor da volta do absolutismo monárquico) e o poder laico (constituído pela burguesia emergente). Tinha por objetivo forjar as nacionalidades necessárias à reorganização dos Estados, após a era bonapartista. Urgia a formação de patriotas para as "pátrias" já formadas pelas guerras. Nenhum lugar mais adequado para isso do que a escola. Então, sejam multiplicados os bancos escolares e criadas "aulas de patriotismo". Era o melhor modo de garantir o advento de defensores dos interesses das classes dominantes como se fossem interesses de todos, da "pátria". 
No Brasil, em meados daqueles século, surgia nosso primeiro historiador - não um cronista ou um viajante, mas um sistematizador de fatos, um criador da memória nacional - Francisco Adolfo Varnhagen. Éramos um país novo, criado a partir dos interesses dos latifundiários escravagistas, em acordo com a própria família real portuguesa. No entanto, na visão das elites, não éramos uma nação. Por isso, necessário criá-la no "coração" do povo ou corríamos o risco de estilhaçarmo-nos em inúmeros "pedacinhos", a exemplo do que estava ocorrendo na América Espanhola (o que não seria bom para os "negócios"). 
Ora, uma nação não se cria magicamente a partir do hoje. Só um passado historicamente ordenado é capaz de constituí-la. Varnhagen a constituiu num compêndio. Um livro didático, diríamos hoje. Começava o tal compêndio relatando a invasão holandesa ao Nordeste brasileiro, onde, supostamente, índios, brancos e negros estiveram unidos na luta contra o inimigo da "pátria". Qual pátria, em 1654? Chegava ao requinte: os índios bons ajudavam os portugueses, os maus ajudavam os holandeses. E por aí seguiu adiante...
Ao longo do século XX a versão da história nacional conhecida pelo povo brasileiro era aquela narrada nos compêndios escolares - o Livro de História mais lido por parcela significativa da sociedade brasileira. Contemplava a memória branca da elite, idealizava o índio (já quase exterminado) e afirmava a "docilidade" do negro. Uma história morta, "ciência do passado", detentora de verdades definitivas, enaltecedora de comandantes e princesas, sem nenhuma ligação com a vida vivida pelos excluídos do poder econômico. Foi esta a história ensinada. Foi esta a história aprendida.
Entretanto, temos uma razoável produção historiográfica com outras versões desse processo de construção social. Está restrita quase integralmente aos círculos acadêmicos. Difundi-la, é tarefa cidadã de todos que a conhecem. Só pela desconstrução de mitos estaremos restituindo o protagonismo a quem de direito. E a história poderá ter alguma utilidade para o que realmente importa: a luta pela emancipação destes excluídos.
Maria


Para saber mais:

O Mito do Herói Nacional, Paulo Miceli. Editora Contexto, 1989. (Disponível em bons sebos virtuais). 





O Brasil, o Povo e o Poder, Miguel Arraes. Editora Língua Geral, 2008.




A Ditadura Militar no Brasil: Repressão e Pretensão de Legitimidade, Maria José de Rezende. Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2003.





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