quinta-feira, 4 de abril de 2013

Sementes de Luta...

A guerra contra Artigas


O século XIX iniciou na Europa já incendiado pelas guerras napoleônicas, que faziam tremer não só os velhos regimes monárquicos absolutistas como também a Inglaterra, rejuvenescida pelo florescer da "sua" revolução industrial. O que se tinha, de fato, era uma disputa por áreas de influência entre as duas grandes burguesias nacionais emergentes naquele momento. O vencedor levaria as batatas, no caso as decadentes famílias reais que só queriam conservar os anéis. Os dedos (do povo, é claro) entregavam de boa vontade. Os monarcas da Península Ibérica entre eles.
Disso, as consequências todos conhecem: as guerras por independência política na América Espanhola (a invasão da Espanha pelos "aliados" franceses foi o pretexto); a vinda da família real portuguesa para o Brasil (escoltada pela frota inglesa) e a primeira "transição conservadora" vista por aqui - do regime colonial para o imperial, mantendo-se a dinastia; a vitória da Inglaterra sobre a França e, sob seu domínio até 1914, o avanço inexorável do capital sobre o mundo inteiro.
Com a independência política, as elites "criollas" do sul da América do Sul queriam livrar apenas a si mesmas do jugo metropolitano e ampliar o próprio poder econômico, mantendo inalterada a submissão dos povos que aqui habitavam. Por isso, uniram-se ao reino de Portugal, Brasil e Algarves (depois império do Brasil) para impedir que fosse colocado em  prática, em pleno Pampa, um projeto societário direcionado para a emancipação das populações campesinas, desgarradas, sem ocupação fixa, despojadas de teto e de chão.
Na então chamada Banda Oriental do Rio da Prata, atual Uruguai, uma massa popular heterogênea, unificada em torno de um chefe que nela se fortalecia, não se contentou com a expulsão dos espanhóis e quis avançar rumo à revolução social. Teve como resposta uma guerra de extermínio. Foi atacada primeiro por Buenos Aires, depois pela elite de Montevidéu e, finalmente, pelo Brasil.
José Artigas, um estancieiro oriental, seguidor de Rousseau e da tradição revolucionária francesa, republicano e abolicionista, era o líder desses excluídos. Foi o primeiro a propor democracia participativa e reforma agrária em solo sul-americano. Não podia ser "tolerado" pelos representantes das classes dominantes. Derrotado pelo exército luso-brasileiro nos confrontos de 1816, iniciou um movimento guerrilheiro que durou 3 anos. Nessa resistência, morreu metade do povo pobre do interior Oriental. Em Taquarembó (1820), Artigas foi definitivamente vencido, exilando-se no Paraguai, onde viveu silenciosamente por mais de 30 anos, sem poder voltar à terra natal. A Banda Oriental foi anexada ao Brasil com o nome de Província Cisplatina (aquém do Prata). A Inglaterra ganhou mais súditos. A partilha das terras do Pampa foi brutalmente interrompida. Mas as sementes da luta pelo chão e pelo teto tinham sido lançadas... ao sul da América do Sul.
Maria


Para saber mais: A Fronteira, volume I. Tau Golin, L & PM Editores, 2002.




O rio-grandense Tau Golin analisa, no livro, a fronteira como espaço histórico de tensão e construção de identidades peculiares, contemplando substancialmente a formação das fronteiras no Pampa, enxergando-as como partes do complexo processo de conquista territorial empreendido aqui pelos Estados-Nação europeus, mas perpassadas pelas lutas por libertação dos povos oprimidos.


Replantando as sementes: Uruguai e Brasil no contexto contemporâneo da América do Sul.


Os povos sul americanos, no início deste XXI, vivem uma realidade histórica complexa e intensamente contraditória: diversos (nunca dantes tantos) países do continente elegeram, e mantém no poder, projetos governamentais de centro-esquerda (coligados com parcelas da direita "em nome da governabilidade"), frutos da luta dos movimentos sociais caracterizados por posições à esquerda. Mas o novo bloco de poder, desse modo constituído, tem conseguido apenas, com pequenos avanços sociais imediatistas, retardar a luta por transformações econômicas e políticas que apontem na direção do objetivo maior - a emancipação concreta, profana, histórica, das camadas populacionais excluídas do "bem-viver".
Para replantar as sementes da luta talvez seja necessário, antes de mais nada, combater o "novo conservadorismo das massas", favorecido justamente por sua inserção no mercado consumidor, pelo fortalecimento dos fanatismos religiosos da atualidade e pela devastação midiática das consciências, marca forte destes tempos. 

Raul Zibechi: é um escritor, jornalista e ativista político uruguaio que reflete sobre o tema, expressando teses interessantes em artigos, palestras e alguns livros (infelizmente ainda não editados no Brasil). Sua obra mais recente é Brasil Potencia..., na qual analisa as possibilidades que se abrem ao maior país da América do Sul em relação aos vizinhos, nos tempos vindouros. Dominação capitalista ou parceria regional?



Maria

Um comentário:

  1. Maria, muito boa a ideia do teu blog, mas acho que tens que divulgar mais e o face e o local do momento.
    Vou compartilhar lá para ajudar na divulgação.

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