quarta-feira, 10 de abril de 2024

GREVE



"VOCÊ CORTA UM VERSO,
  EU ESCREVO OUTRO.
  DE REPENTE, 
  OLHA EU DE NOVO.
  PERTURBANDO A PAZ,
  EXIGINDO O TROCO. 
  OLHA AÍ,
  AI QUE MEDO, 
  VOCÊ TEM DE NÓS..."
Pesadelo, 1972
Paulo Cesar Pinheiro, Paulinho Tapajós

Nos idos do século XVIII, Grève era o nome de uma praça localizada na zona portuária de Paris, às margens do Rio Sena. Não tinha árvores, nem bancos, só um chão de areia grossa , coberto de gravetos. Daí seu nome. Nela costumavam reunir os miseráveis da cidade em busca de um trabalho. Porque lá apareciam seguidamente empregadores procurando "mão-de-obra" barata. 
Na época da Revolução Burguesa de 1789, começaram também a reunir no local trabalhadoras e trabalhadores que protestavam contra as terríveis condições de exploração em que viviam os assalariados e assalariadas da França. Foi um berço de lutas La Grève . Muitas ainda necessárias nos tempos que correm. Naquele período servia, ainda, a praça , para execuções e suplícios públicos de condenados.
Nos dias de hoje, La Grève não se chama mais assim, não tem nenhum monumento que assinale sua origem e não consta dos roteiros turísticos da capital francesa. Tentativa, entre tantas espalhadas pelo mundo, de tornar invisível a luta social, apagando os vestígios da história.
Além deste apagamento físico, a razão neoliberal, imperante no mundo contemporâneo, gosta de dizer que uma greve "pode" ser feita porque é um direito estabelecido constitucionalmente. Mente a razão neoliberal.. A greve possível  para "alguns"  no agora só chegou até à norma constitucional  porque "pôde" antes. Mesmo não podendo. E só  pôde pela valentia, pela rebeldia, pela consciência da necessidade, pela vontade de "mudar as coisas". De muitas e muitos. Aliás, todas as grandes conquistas das classes oprimidas no mundo são fruto das lutas proibidas ao longo dos séculos XIX e XX .
No Brasil, por exemplo, nestes tempos de greves garantidas pela Constituição de 1988, mas de consolidação do projeto neoliberal, mais perdeu do que ganhou a classe trabalhadora.
Assim, é possível afirmar que, na verdade, a greve é um direito humano universal só garantido pela força de quem luta. Desse modo pensavam os negros escravizados  do visconde de Mauá, lá na Bahia de 1856. E os escravizados trabalhadores que construíam a pirâmide de Kheóps,  cerca de 2500 anos anos antes da era cristã. 
                                             ALLONS LA GRÈVE, CAMARADES

                                                                           MARIA

segunda-feira, 11 de março de 2024

SE A CIDADE FOSSE NOSSA

 

" A gente tem fome de quê?
  A gente não quer só comida,
  A gente quer comida, diversão e arte.."
  TITÃS, 1987


" Se a cidade fosse nossa" é o nome de um livro, lançado em 2023. Escrito por Joice Berth, arquiteta e urbanista, destacada militante feminista e antirracista do Brasil contemporâneo. Nele, a autora nos conta a história da formação das cidades brasileiras desde os tempos coloniais, revelando o quanto foram erguidas para a segregação. De classe, de cor, de gênero, dos "diferentes". Segregação esta que, naturalizada ideologicamente pela classe social opressora, teima em se perpetuar.
Vai além, Joice Berth. E propõe a luta por uma cidade que, invertida a ordem até aqui estabelecida, se reerga para a congregação. E se torne um  espaço de partilha. De saberes, de quereres e de poderes. Onde o direito de nela estar seja, outrossim, o direito de estar bem. Não só garantido para quem a vive hoje, como também às gerações futuras. Será então erguida a cidade capaz de mitigar as diferentes fomes de seu povo.
Aquela fome primeira, que vem do estômago e esgota o corpo inteiro. Ela voltou a ser sentida por significativa parcela da população brasileira depois do golpe contra a Presidenta Dilma, em 2016. 
E aquelas fomes outras, só percebidas quando o estômago não dói por estar vazio. Fome de aprender e ensinar, fome de rir e brincar, fome de teto e emprego. Fome de participação e de poder de decisão.
Entre tantas outras.
Vale ouvir  Joice Berth, lendo o livro.
Porém, vale ouvir, ainda, a voz da juventude que vive a cidade. Trabalhando, estudando, lutando, festando, PENSANDO.
Ouçamos, pois.


                                                                                                MARIA
   


                                                          " E SE A CIDADE FOSSE NOSSA..."

Rio Grande não é só a cidade da maior  praia do mundo, do bauru e dos ônibus lotados. Do sacrifício de quem sai todos os dias para trabalhar, estudar e ter a sensação de que parte da sua vida está ficando pelo caminho.
Rio Grande não é só da especulação imobiliária, onde viver fica cada dia mais caro. Também não é da falta de saneamento e saúde, da insegurança das ruas, do descaso com o meio ambiente, do abandono nos bairros e da falta de professoras nas escolas.
Nossa cidade é muito mais do que essa sujeira!
Afinal, a cidade somos NÓS! 
Nós que trabalhamos, estudamos e somos a vida e a alma dessa terra. E se somos a cidade, é mais do que justo que a cidade seja NOSSA. 
Rio Grande pode ser do tamanho dos nossos sonhos, basta desse sentimento de medo e de impotência. É chegada a hora da gente construir - nós mesmos - a cidade que queremos.
No bairro onde moras, há espaços públicos de cultura, esporte e lazer?
Para ir ao trabalho, à escola, à faculdade ou à festa, quanto tempo ficas na parada, esperando o ônibus?
Andar por aí sem medo, independente da hora ou lugar. Fazer uma festa na praça, contar com transporte digno, poder decidir o que é melhor para o teu bairro. Tudo isso é DIREITO À CIDADE.
Direito à Cidade é um direito humano e coletivo, que diz respeito tanto a quem nela vive hoje  quanto às futuras gerações. É um compromisso ético e político de defesa de um bem comum essencial a uma vida plena e digna em oposição à mercantilização dos territórios, da natureza e das pessoas.
Em 2024, as eleições municipais nos darão oportunidade de, através do voto, definir o futuro das políticas públicas da cidade.
Tira ou regulariza teu título e participa da construção do teu futuro.
VAMOS PENSAR A CIDADE QUE A  GENTE QUER?

                                                                                                   RUAN ESTABEL

 


terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

OLÍVIO DUTRA - LIÇÃO DE LUTA

Figura fisicamente frágil, cabeça grisalha quase branca, vagareza no andar, certo ar distraído, despertando vontades. De dar o braço, de ajudar a subir, de alcançar uma água, de abrir o caminho, de fazer um afago.
Quando chega, primeiro olha e escuta. E anota, o que escuta e vê. Não chama atenção. Ao contrário, presta atenção. Mesmo parecendo que não. Está dada a primeira lição. Ele próprio o conteúdo.
Quando fala, com a singeleza só encontrada na sabedoria, do que fala Mestre Olívio?
Primeiramente, vai lembrando a quem o ouve do compromisso primordial da esquerda com o internacionalismo da luta.. Sem hesitação, sem meias-palavras. Solidariedade incondicional aos oprimidos, combate incessante aos opressores. Sempre.
Depois, fala lindamente da importância da democracia até aqui conquistada, da sua incompletude, da necessidade de ampliá-la e aprofundá-la, na sociedade e no Partido. Aqui , enfatiza que companheiras e companheiros com mandatos são nossos representantes, não são nossos substitutos no poder de decisão. Aponta a radicalização da democracia participativa como objetivo a ser alcançado.
Reconhece os erros e as insuficiências do já feito. Afirma que é preciso avançar na organização da classe trabalhadora e na justiça tributária, ao resgatar o OP.
Destaca o significado do Parlamento e o papel das bancadas de esquerda dentro dele. Recomenda contestação ao individualismo e ao personalismo com que o capitalismo neoliberal dominante tem nos contaminado. Nas práticas partidárias, nas políticas públicas propostas, nos movimentos populares e sindicais.
Não diz, mas deixa ver que ainda tem esperança. Se não tivesse, não continuava andarilhando por aí.
Quando se vai, a gente percebe o inverso do percebido  no início. Quem dá o braço é ele. Quem ajuda a andar e a saber é ele. O necessário copo d' água também é ele a oferecer. E ainda mostra o caminho.
Frágeis, vagarosos, distraídos e sem vontade de mudar as coisas  estamos nós.



                                                                                                        MARIA

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

FAZENDO O TEMPO DE ADIANTE



 "OS PASSOS PARA TRÁS NEM SEMPRE SÃO UM RETROCESSO"
 PALAVRAS NO MURO


O andar cada vez menos crítico da esquerda  contemporânea, moderadíssima em sua concepção de luta,   e em grande parte institucionalizada em Partidos, Movimentos Sociais, Mandatos Parlamentares ou Mandatos Executivos, tem trocado a reflexão coletiva, só ela capaz de dar consistência ao caminho, por uma prática política ajustada, acomodada, ao "espírito " do tempo, sempre justificada por urgências e emergências. Esta é uma constatação corrente entre aquelas e aqueles que se negam ao cabresto do pensamento único e continuam refletindo sobre as razões da realidade social deste XXI.
No entanto, para o enfrentamento eficaz dos desafios colocados, não é só a ação direta que precisa ser resgatada, há que resgatar também  a reflexão teórica. Porque só um encontro bem sucedido entre o compromisso ativista de estar e a compreensão intelectual das razões deste estar vai qualificar a inserção das organizações de esquerda  nos diferentes espaços políticos.
O projeto neofascista do inominável governo federal anterior, chegado ao poder por um golpe jurídico-midiático, e derrotado eleitoralmente em 2022,  no que tange ao poder executivo central, permaneceu organizado, forte e vitorioso no parlamento nacional, na maioria dos governos e parlamentos estaduais e municipais. Desafiando, boicotando, e sitiando LULA III o tempo inteiro.
A tentativa, dita fracassada, do 8 de janeiro não foi tão fracassada assim. Seus mentores, financiadores, articuladores e incentivadores, entre eles a cúpula da forças armadas, o agro-pop, os organizadores das milícias digitais, os bacanas da Faria Lima e a própria besta-fera e sua família, continuam soltos e fazendo política. Ingenuidade pura acreditar, e divulgar, que "a justiça tarda mas não falha". Tarda e falha, em toda sociedade dividida em classes. Por isso,  comemorar nossa "democracia inabalada" sem denunciar que  golpes continuam sendo dados ou tentados cotidianamente contra o povo brasileiro , é apenas propagar uma ilusão que acentua a desmobilização popular e o analfabetismo político.. Porque, embora bastante significativos,  não basta a restauração dos símbolos arquitetônicos dos "três poderes" e, nem mesmo a continuidade do funcionamento oficial de cada um, para que se possa considerar "inabalada" nossa democracia.
A continuação abusada da violência contra os povos indígenas e os camponeses do MST, a resistência do garimpo ilegal em abandonar territórios por ele ocupados, o prosseguimento do genocídio policial nas periferias urbanas, a destruição dos serviços públicos nos Estados e Municípios, entre tantos outros ataques, não abalam a democracia.? Eles serão intensificados em 2024, que não se duvide disso. Mas não serão a pedra maior colocada nesta trilha. A montanha a vencer está dentro de nós. Para que se possa ir além .
Resgatada de si mesma, a esquerda poderá deixar de ir às ruas apenas para ganhar eleições e "administrar melhor o capitalismo". Voltará às praças e aos becos  para subverter a ordem do capital, hoje vitoriosa globalmente. Uma vez que é seu compromisso/semente  contribuir para o avanço da consciência de classe dos precarizados  do mundo. Compromisso que exige um "cuidado" com as vozes levantadas. Fortalecê-las no debate coletivo é condição para que não se percam nem se contaminem em meio ao vozerio neoliberal predominante. Porque é com a bagagem que trazem dentro que lutadoras e lutadores sociais vivem seu hoje histórico  e deixam montado um cenário para o  tempo futuro.
O tempo de agora fazendo o tempo de adiante. 



                                                                                         MARIA



 

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

OS LANCEIROS NEGROS

 

"SABER É O PRIMEIRO PASSO EM DIREÇÃO AO COMBATE"
                                     PALAVRAS NA CERCA   


LULA sancionou, no último dia 5 de janeiro, a LEI 14.795/24, proposta pelo Senador Paulo Paim, que inscreve "os lanceiros negros do RS" no "Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria", como parte de uma reparação  histórica bem mais abrangente do que uma simples homenagem àqueles soldados que lutavam bravamente por sua própria liberdade, traídos e assassinados pelo conluio entre o império do Brasil e a classe dominante sul-rio-grandense, lá nos idos de 1845. Vai além, porque também traz, nas entrelinhas, o reconhecimento oficial do Estado do Brasil à contribuição basilar de negras e negros na construção da sociedade brasileira. E ainda chama a atenção para o racismo estrutural que nublou por muito tempo a produção historiográfica do RS. E, eventualmente , permanece por aí.
Na maior parte das vezes, a grande rebelião de 1835 foi, e continua sendo, chamada de Revolução Farroupilha. Mas Revolução não foi. Porque Revolução é um Movimento que tem por objetivo subverter a ordem sócio-econômica estabelecida. E os latifundiários do Rio Grande do Sul não queriam subverter a "ordem" instalada nestas plagas. Não queriam dividir a terra, não queriam o final da escravidão, nem devolver o gado chimarrão aos guaranis, nem abrir mão de quaisquer privilégios de classe. Só queriam garantir direitos que consideravam "seus" e não estavam sendo respeitados pelo poder imperial.
O mais comum dos tropeços historiográficos cometidos por aqui é, sem dúvida, a não inserção da "guerra dos farrapos" no processo mais amplo que foi a chegada do liberalismo ao Brasil, no alvorecer do XIX. O que leva, consequentemente, ao "esquecimento" de que, naquele mesmo período, explodiram rebeliões semelhantes  no  país inteiro, todas fruto da insatisfação das camadas economicamente dominantes nas províncias brasileiras. Uma defesa intransigente do Federalismo pelo inconformismo geral dos "proprietários" com o protecionismo dado ao cafeeiros do Sudeste pelo governo central. Seguindo os ventos soprados, já na época, pelo grande "irmão" do Norte.  Foram todas vencidas pelo Império. Faltou-lhes gente para o combate. Porque não ousaram colocar armas nas mãos dos contingentes escravizados. Podiam ser viradas contra eles. Preferiram acordos costurados nos gabinetes aos riscos de uma revolução social. Na chamada  República de Piratini parecia diferente. Os trabalhadores escravizados foram chamados à luta, a "palavra de honra" dos caudilhos sulistas assegurava liberdade no fim do caminho, para quem sobrevivesse. Na hora final, no entanto, bem sabemos de Porongos.
A manipulação da história é instrumento de dominação  bem conhecido e tem sido utilizada desde os primórdios da sociedade dividida em classes. Fazer o contraponto, divulgando  a história real - porque devem ser chamados de heróis os negros entregues por  Canabarro à sanha de Caxias ou porque o 20 de novembro deve mesmo ser  feriado nacional , por exemplo, - é compromisso de todas, todes e todos que lutam por uma sociedade justa. COMUNISTA.
                                                                                             
                                                                                   MARIA


quarta-feira, 8 de novembro de 2023

QUEM É MESMO O TERRORISTA?

 


"Israel acredita que, se confinar e esmagar os palestinos com força e rigor suficientes, eles se extinguirão e os israelenses viverão "felizes para sempre". É o que tem sido feito nos últimos 75 anos, mas, até aqui, não funcionou. Tem produzido, isso sim, um desespero no lado palestino que leva à explosões como a que vimos no último 7 de outubro."
OMAR BADDAR
PALESTINO, ANALISTA POLÍTICO
JACOBIN BR, 18/10/2023


Talvez o  mundo ocidental não se levante pela Palestina. Teve 75 anos para fazê-lo e não o fez. Os olhos deste mundo, até aqui cerrados para as atrocidades cotidianas praticadas pelo Estado de Israel contra o Povo Palestino  há décadas, agora se abrem, mas só enxergam "o terrorismo do HAMAS". E, mesmo as vozes, quase todas, levantadas para "repreender" o governo israelense pelos excessos na resposta, salientam sempre, antecipada e enfaticamente, que "o HAMAS é terrorista". Aí, vão dormir em paz. Algumas, por não conhecerem a história. Outras, mesmo conhecendo.
Todavia, para melhor compreender esta guerra de extermínio empreendida por Israel contra palestinas e palestinos, é imprescindível refletir sobre algumas questões fundamentais. Entre elas, QUANDO COMEÇOU e O QUE É O HAMAS. Apesar desta necessidade,  na maioria dos textos e das falas  contundentes dos "especialistas da grande mídia ocidental", neste trágico final de 2023, elas não têm estado presentes. Talvez deliberadamente.
COMEÇOU em 14 de maio de 1948, com a instalação oficial do Estado de Israel, por resolução da ONU, como parte do Plano de Partilha da Palestina, por ela elaborado logo depois do fim da II Guerra. Tudo sob pressão do EUA e do Movimento Sionista Internacional. Foi assim que o ocidente capitalista cravou seu tacão de ferro no Território dos Palestinos. O objetivo era concluir o que o "protetorado"  britânico, lá imposto ao final da I Guerra, não tinha conseguido terminar: tornar a região uma "sentinela avançada" do capitalismo "do lado de cá" em meio aos árabes, "nunca confiáveis", e "nas barbas" da então UNIÃO SOVIÉTICA, "amiga deles". A justificativa farsesca para aquela decisão foi a compensação histórica devida ao povo judeu por seu holocausto durante o período nazista. Os países árabes do entorno não aceitaram. Entraram em guerra com o novo país naquele mesmo dia. Mas foram derrotados. Os vizinhos  tinham chegado muito bem armados e com padrinhos importantes. Aquela primeira vitória militar israelense permitiu de pronto seu avanço na ocupação de territórios e o primeiro grande massacre palestino.
Assim, o 14 de maio de 1948 está inscrito na memória histórica do povo palestino como o " DIA DA NAKBA". NAKBA é o termo árabe para "CATÁSTROFE". Um dia que não acabou mais a partir de então. Catástrofes que se repetem, se transformam e só pioraram com o passar do tempo. Com guerra ou sem guerra. Cidades destruídas, atividades econômicas impossibilitadas, campos de refugiados espalhados e constantemente atacados, vidas interrompidas, violações todas, privações, as máximas. MAS RESISTÊNCIAS, SEMPRE. Entre elas, a do HAMAS.
HAMAS é a sigla em árabe do MOVIMENTO DE RESISTÊNCIA ISLÂMICO. Para conhecer sua história, o primeiro passo é descolar dele a alcunha pejorativa e islamofóbica de terrorista, que lhe tem sido atribuída pela mentalidade colonialista das potências ocidentais. Só elas podem. Foi criado em 1987, durante a rebelião conhecida como "PRIMEIRA INTIFADA PALESTINA" (despertar em árabe ).
A classificação de "terrorista" torna-o indefensável até mesmo para pessoas e coletivos simpatizantes da causa palestina. No entanto, tal qual democracia, a palavra terrorista é mesmo relativa. No Brasil, por exemplo, o MST é chamado de terrorista por muitos. Os criminosos do 8 de janeiro e da bomba no aeroporto, não. Este condicionamento imposto pela manipulação ideológica do capital internacional traz nas entrelinhas, quando não a defesa da  "solução final" para o povo palestino, uma visão salvacionista de ajuda ocidental aquele povo para que não pereça, mas negando-lhe o direito de lutar por sua própria emancipação.
O HAMAS tem por objetivo a criação de um Estado Palestino Soberano que ocupe legalmente terras da Palestina Histórica. Atua nos campos social, cultural, político institucional e militar. Desde 2006, governa a região de Gaza, tendo sido eleito democraticamente. A Autoridade Palestina, já reconhecida internacionalmente desde que abdicou da luta armada, governa a região da Cisjordânia. Não por acaso a cidade de Gaza, desde 2007, tem sido mantida sitiada pelo exército israelense, alvo de bombardeios sistemáticos, com precários serviços de saúde e educação, sendo considerada, por entidades humanitárias internacionais que a assistem, a maior prisão a céu aberto do mundo contemporâneo. Tudo isso porque o HAMAS tem adotado a postura de não ceder às exigências de Israel, EUA e União Europeia. Os habitantes dos territórios ocupados, cansados de esperar por um acordo de paz que não vem, passaram a considerá-lo o  símbolo atual da RESISTÊNCIA PALESTINA. 
Em 2017, a ANISTIA INTERNACIONAL denunciou Israel por usar regime de apartheid "que domina a população palestina como um todo, praticando políticas de segregação, expropriação e opressão contínuas que caracterizam crimes contra a humanidade." O mundo fingiu não ouvir. Recentemente, o Secretário Geral da ONU, Antônio Guterres, afirmou que o ataque a Israel em 7 de outubro não aconteceu no vácuo, porque o povo palestino vive aterrorizado por Israel há 75 anos. Também fingiram não ouvi-lo, as maiorias.
Frente a uma realidade assim constituída, a pergunta que não pode ser calada é " Será o HAMAS mesmo o terrorista?"  Dependendo da resposta dada pela humanidade, saberemos se ainda é possível recriar o mundo, antes que ele acabe. Ou não.

                                                                                MARIA 


  "Quem cala sobre teu corpo
   Consente..."´
   MILTON  NASCIMENTO


sábado, 30 de setembro de 2023

OS CAMINHOS PARA 2024

 " SE FOSSE RESOLVER,
    QUERIA TE DIZER..."
Osvaldo Montenegro, " Agonia"


Momento eleitoral nos municípios, 2024 poderia tecer uma rede de comprometimento popular com o projeto de mundo defendido internacionalmente por Lula. Ou não, se mantido for o mergulho das organizações de esquerda na cultura política tradicional. Mergulho este que as faz enxergar o povo "de fora", quando não "de cima", e, a si mesmas, como "defensoras" e não como "organizadoras" da classe trabalhadora.
Caso a opção fosse pela tecitura da rede popular,  seria uma escolha difícil, embora aparentemente simples. Iria exigir a superação do personalismo, do voluntarismo arbitrário, da auto louvação incessante, do poder decisório nas mãos de poucos, tão presentes em todos os lados.
Seria necessário apostar na construção coletiva das inserções individuais nos diferentes espaços de luta entre as classes - conselhos, fóruns, congressos, conferências, comitês, tribunas parlamentares, direções partidárias e sindicais. Porque só  um sujeito coletivo será capaz de virar o jogo e garantir uma vitória que não seja de pirro. Nesse sentido, talvez fosse oportuno ampliar e aprofundar a discussão sobre voto nominal e voto em lista. Qual deles seria melhor para a formação deste sujeito coletivo?
Seria, ainda, fundamental buscar a formação política da militância social. Aquela só alcançada pela combinação sistemática entre reflexão coletiva e ação direta na ruas. A avaliação de cada passo para identificar os erros nele cometidos, evitando-os  no passo seguinte, seria indissociável de uma qualificação assim levada adiante.
Mais do que tudo isso, no entanto, tal caminho, caso aberto, iria requerer "uma posição à esquerda do possível", como dizia um velho mestre do século XX. Não por delírio ou insensatez, mas por conhecimento histórico da luta. Todos os avanços obtidos pelos oprimidos quanto a direitos e qualidade de vida nos últimos duzentos anos foram devidos à coragem daquelas e daqueles que se colocaram à esquerda do possível. E lutaram pelo improvável.
Quando o PT surgiu na cena política brasileira e latino-americana, lá no início da década de 1980, trazia consigo o grito sufocado, a fome de pão e de justiça, o sangue derramado, o sonho da Revolução, a proposta de uma governança democrática e popular e, como horizonte, uma sociedade socialista.
Espalhou-se pelas esquinas e nas praças. Nas portas das fábricas e dos colégios. Nas rodas do porto e nos botecos das periferias. Nas sacristias das igrejas libertárias e nas assembleias sindicais.
Encantou corações e mentes pela ousadia de ser diferente e propor o novo. E pela ardência... Pelos mesmos motivos, também despertou medo e ódio.  Preconceitos, constrangimentos , perseguições, não foram poucos. Bem pouco provável que vingasse, mas vingou. Ao longo da década de 1990, Prefeituras foram sendo conquistadas no país inteiro, o "modo petista" de governar espraiou-se pelas ruas de cidades grandes e pequenas. Um Orçamento Participativo radical, uma Escola Cabana ou Cidadã, a Constituinte Escolar, a valorização dos servidores públicos, o respeito pelos movimentos sociais, faziam parte. Do novo e do improvável. A campanha para o governo estadual em 1998 "vermelhou" o Rio Grande. Não tinha filiada ou filiado que saísse de manhã para trabalhar sem a bandeira nas costas e um RBS MENTE colado na mochila ou na bicicleta. Na posse de Olívio, as bandeiras de Cuba e do MST tremularam nas janelas do Piratini. Depois, no alvorecer do XXI, a estrela chegou ao Palácio do Planalto. Ainda levava consigo o desejo de pagar dívidas históricas e  de fazer diferente. E os governos Lula e Dilma muito fizeram  em termos de políticas sociais para "melhorar" a vida do povo. No entanto, reformas estruturais nunca foram feitas, a economia seguiu norteada pelo neoliberalismo, a concentração de renda continuou inalterada, o agronegócio manteve o latifúndio e a mídia burguesa permaneceu intocada. O protagonismo do Partido foi esfacelado pela institucionalidade.
O tempo passou. Veio o golpe, a prisão de Lula, o neofascismo, a eleição de nossas vidas e a oportunidade de recomeçar, mesmo sem a guerra acabar. A história que virá vai depender da escolha do caminho para esse recomeço. É pouco provável que seja o da construção da rede. Mas ele não é impossível de trilhar. Só está à esquerda do possível.
   
                                                                                                       MARIA