terça-feira, 19 de maio de 2020

O QUE PODEMOS APRENDER COM A PANDEMIA DO CORONAVÌRUS?

Boaventura de Sousa Santos, o velho mestre português que continua nos brindando com aulas magistrais, mesmo no calor da hora, já apresenta valiosa reflexão sobre este angustiante momento histórico vivido pela humanidade. Em sintéticas 32 páginas, com o título de "A DOLOROSA PEDAGOGIA DO VÍRUS", registra as origens e os fatores propulsores da tragédia, apontando também os desafios e os compromissos atuais daqueles que desejam um mundo partilhado com justiça. 
Lendo-o, conclui-se que, frente ao "por-vir" incerto, o imprescindível contraponto só pode ser a luta por um "de-vir" possível, onde a exclusão e a negação do outro sejam substituídas pela simbiose e pela aliança entre todos os seres vivos. Ele nos faz perceber que, acima dos territórios e dos ambientes, pairam gestos e posturas. De um "abrir asas" para reverter a queda ou de um "fazer peso" para acelerar o fim.
Destaca, primeiramente, que a atual pandemia não é mais uma crise abatendo-se sobre a população mundial. Ela é, isto sim, parte/consequência (talvez o ápice) de uma crise em andamento, que devasta a humanidade há, pelo menos, quatro décadas. Não pode ser encarada como um estado de exceção dentro da "normalidade" contemporânea porque desde os anos 1980 surgem cotidianamente indícios gritantes de que o mundo está em crise. Indícios estes unanimemente reconhecidos e denunciados no seio de todos os matizes ideológicos, embora as divergências sejam muitas quanto aos fatores que a provocam e aos modos de enfrentá-la. Coincidentemente, este tem sido um tempo em que o neoliberalismo instalou-se como a visão dominante do capitalismo dito "pós-moderno", sujeitando a estrutura econômica cada vez mais à lógica do setor financeiro em detrimento do setor produtivo.
Levando em conta que a palavra CRISE pode ser definida como SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE DEVE SER SUPERADA, chama a atenção para a enorme contradição em que estamos "normalmente" mergulhados - o planeta inteiro numa "situação passageira" que não passa. Há quarenta anos.Tornando-se permanente, a crise pode ser apontada como a causa de tudo. Justifica tudo. Autoriza os retrocessos sociais,trabalhistas, humanitários, que vão cobrindo aceleradamente todos os continentes. Respalda ataques intensos ao ambiente natural. Desfigura até mesmo a esquerda política. Corrompe sentidos e significados. Impede questionamentos e consegue esconder seu maior segredo - a necessidade que tem da própria permanência. Para que o planeta e a humanidade continuem sendo brutalmente degradados em benefício da riqueza de poucos , muito poucos. Embora às custas de catástrofes ambientais e sanitárias até aqui inimagináveis.
Assim, a pandemia vem tão somente tornar mais"normal" a "normalidade" da crise, acentuando sua perversidade. Nisto está sua peculiaridade - piorar o que já estava ruim, agravar o que já era grave. Atingindo "normalmente" os grupos mais vulneráveis de "sempre" - os círculos sociais mais explorados e/ou discriminados, que carregam dores invisíveis  nos tempos "normais" - as mulheres as negras e negros, os trabalhadores informais (ditos autônomos), os sem-teto, os grupos indígenas, as populações urbanas periféricas, os portadores de necessidades especiais, as velhas e velhos, entre tantos outros.
Deixará lições amargas e Boaventura antecipa várias, salientando uma: O vírus não vai, por si só, transformar a realidade social. O racismo, o machismo, a homofobia, o fanatismo religioso, bem como a ganância capitalista pelo lucro máximo, vão permanecer.Além disso, a pobreza e a extrema pobreza vão aumentar.
Leitura imperdível para quem sabe da radicalidade da luta. Porque a pandemia um dia passa, mas o Brasil que emergirá dela será um país estilhaçado, com uma ordem burguesa em conflito interno, onde o irracionalismo e o obscurantismo estarão livres para continuar matando. Um lugar em que será, mais do que nunca ,necessário insurgir-se...
-para subverter a ordem,
-para distribuir a renda,
-para reinventar a vida.
                                             MARIA

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