domingo, 21 de setembro de 2025

O PASSADO QUE NÃO PASSA

 

"Nos arames em que foi 
peão pendurado,
deixem seus olhos fixos
Nos chicotes e talas,
nos palas cardados,
deixem seus olhos fixos
Nos esculachados que perambulam
sem tréguas,
deixem seus olhos fixos
                        ...  ...
Sérgio Jacaré, 1990

 


Como em todo o Setembro, faz tempo, os "gaúchos" festejam a si mesmos, cantam suas façanhas, desfilam suas bravatas, dançam sua hipotética superioridade. Louvam um passado harmonioso que não existiu, que não é histórico. É só lenda. A celebração cívica da "semana farroupilha" é organizada e coordenada pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho, criado em 1948 no seio da sociedade civil, e com o apoio oficial do governo do Estado desde 1975. Lembrando aqui que tradição é a transmissão de costumes, crenças e valores múltiplos através das gerações humanas, constituindo elemento fundamental na construção e manutenção da identidade cultural de um povo. Mas tradicionalismo é um movimento ideológico que quer manter viva uma única tradição - a do "patrão".  E tem por objetivo camuflado justificar a opressão de classe no tempo presente. Afinal, sempre foi assim, um patrão tão bom.
O MTG, desde logo, escolheu a guerra farroupilha como seu mito fundador , seu ponto de partida simbólico,  como se tivesse sido uma guerra popular por libertação do "povo" quando , na verdade, só  aconteceu para defender os interesses dos estancieiros latifundiários destas plagas. Suas lideranças jamais acenaram com a distribuição de terra para os peões nem com o fim da escravidão para os cativos. Em 1964, mostrou-se, de pronto, apoiador da "revolução" que ia livrar o Brasil do comunismo. Por isso, ainda naquele ano, foi incluído  no projeto cultural da ditadura como elemento agregador de gentes em torno do conservadorismo político e social. E a "semana farroupilha" foi oficialmente criada. Serviu como luva às intenções golpistas de criar uma base social que defendesse e legitimasse o arbítrio. Espalharam-se  "galpões crioulos" pelos colégios, clubes de amigos e quartéis da brigada militar.
Ao final do período ditatorial, estava enraizado de tal forma o conservadorismo sócio-político na sociedade sul-rio-grandense que o primeiro governador eleito pelo voto depois de 21 anos de chumbo foi Jair Soares, um homem do "regime" que, em 1985, sancionou a lei que estabelecia o "dia do gaúcho".
Embora algumas tentativas tenham sido feitas, ali no final do século XX, para desvelar culturalmente os engodos desse tradicionalismo regional, muito pouco se avançou na direção pretendida.
Entre os símbolos "tradicionalistas", é destaque consensual o chimarrão,  visto como expressão maior da nossa hospitalidade e da nossa cordialidade. Numa roda de mate cabem todas as classes, é o que se espalha aos ventos. Mas não cabem, é só mito. 
O termo chimarrão, do espanhol  "cimarrón", originalmente significava bicho solto, de rumo incerto, como os cães sem dono, ou o gado selvagem espalhado pelo sul da América, desde a derrocada das estâncias jesuíticas. Cão chimarrão, gado chimarrão. Assim, nos idos do século XVII. Pejorativamente, passou a significar também gentes. Aquela gente xucra, bruta e andarilha, sem eira nem beira. Chimarrões foram considerados todos os peões daquele tabuleiro. Bem assim, pelo tempo a fora.
Por extensão de identidade, acabou virando sinônimo de "água da erva", bebida amarga  apreciada pelos chimarrões humanos, que lhe davam o nome de mate, do quíchua "mati". E a usavam nos rituais de acolhimento com que os povos guarani, quíchua e aimará recebiam suas visitas. O gosto de "chimarrear" dos povos originários foi se espalhando igualmente entre a mestiçagem forçada que chegava para trabalhar nas atividades da pecuária nascente. Mas custou muito para entrar nos avarandados da "casa grande". E lá só chegou quando se descobriu que ajudava a amenizar as ressacas do patrão. 
Antes disso, bem no princípio, tinha sido a voz domesticadora dos jesuítas, prometendo aos povos originários destes "pagos" uma vida comunitária idealizada, forjada pelo delírio imperialista da então poderosa igreja católica.
Depois, em meados do século XVIII, a inescapável desventura da dispersão, ao fim das guerras guarani-. missioneiras. Uma sobrevivência errante, o mais das vezes solitária, caçando gado solto para comer a carne e vender o couro, com as mãos qualificadas pelos padres para o ofício pastoril da civilização branca, deixando ver pelas feições do rosto a impotência das mães chinas frente a sanha estupradora dos invasores europeus. E no peito carregando o medo de cair nas mãos de um "bandeirante". Não eram bem vindos nos "povos" por onde passavam, aqueles "índios vagos".
Pejorativamente, começaram a receber também a alcunha de "gaudérios" ou "gaúchos". Gaudério querendo dizer "vadio". Gaúcho, do espanhol gaucho, querendo dizer "sem pai", mas também "filho da china" Julgados como salteadores, combatidos pela sociedade em construção, discriminados pelos "de bem". Eles, que nada tinham, eram uma ameaça para os que tinham muito. Assim diziam os que tinham muito.
Contudo, no tempo em que seguiam a pé pelo chão rio-grandense, mestiçados pela força bruta, ia por aqui sendo formado, paralelamente, o latifúndio. O modo de usurpação do solo escolhido pela monarquia portuguesa para garantir  "seus"  direitos sobre um vasto território ao sul do Trópico de Capricórnio. Enquanto "comandâncias militares" e "barras diabólicas" protegiam a costa oceânica. O gado chimarrão deixado pelos jesuítas e multiplicado livremente pelos campos, uma riqueza "pronta", dádiva da natureza, foi o atrativo oferecido pelo rei aos candidatos à terra prometida. Também como riqueza pronta, daí por diante estariam disponíveis para o trabalho campeiro aqueles desgarrados  da vida colonial.  
O tempo passou, a terra foi cercada, a porteira fechada,  a concepção estancieira de mundo instaurada e o colonialismo latifundiário precisou realmente absorver aqueles "vagos". Só eles sabiam o manejo adequado da gadaria xucra que continuava resistindo à vida nos currais. Temporários, diz a lenda que por vontade própria. Não gostavam de trabalho "fixo".
Vieram também as guerras caudilhescas de fronteira e os peões/gaúchos/chimarrões precisaram ser soldados. Tal qual os contingentes negros escravizados que, originalmente, tinham vindo para sofrer e morrer nas charqueadas. Colocados sempre na linha de frente. Se por vontade própria, a lenda não conta.
Esta é a história escondida, aquela que não vira nome de rua nem de praça. Que não usa bombacha nem vestido com lacinhos. Muito menos botas ou lenços coloridos.
Assim, o Estado do Rio Grande do Sul chega ao século XXI trazendo em sua "mala de garupa" uma bagagem ideológica forte o suficiente para fazer parecer real o que real não é. Considerando aqui ideologia com o significado que lhe deu Marx - uma falsa visão da realidade propagada pela classe dominante para mais facilmente continuar dominando.
O "pago" ponta-sul do Brasil, tão orgulhoso de suas peculiaridades geopolíticas, autoproclamado tão "aguerrido e bravo", querendo-se tão único dentro da brasilidade, está hoje sendo "moldado" pelo governo Eduardo Leite, eleito e reeleito pelo voto, para servir com exclusividade aos donos do poder econômico. Desde que chegou ao poder, alicerçado no modelo neoliberal mais puro, nada tem feito a não ser submeter o chão e o povo do RS aos interesses do capital em sua fase contemporânea. Para isso, ataca em todas as direções, mas escolheu como prioridade o tripé ESCOLA PÙBLICA - EMPRESAS ESTATAIS - POLÌTICA  AMBIENTAL, com a cumplicidade do Parlamento Estadual, majoritariamente seu.
Arremete violentamente contra servidoras e servidores públicos, desmanchando no ar suas carreiras, arrochando seus salários, tirando-lhes a dignidade profissional, tudo para que não consigam cumprir a tarefa que lhes cabe - servir ao público.
Concomitantemente, vem desmantelando o Código Ambiental do Estado em favor do agronegócio da soja e da casta  "invisível" da especulação imobiliária urbana e rural, sem que as vozes levantadas em contrário consigam vencer os gritos a favor, ampliados pela RBS. Nem a tragédia de 2024 conseguiu provocar uma mudança nesse rumo. Mesmo com "um pingo no telhado e o pampa indo embora". 
E não fica por aí o esforço governamental de Eduardo Leite para deixar o Estado mais pobre e sua escória dominante mais rica. Com "o golpe do plebiscito", tirou o voto popular da jogada e logrou privatizar as históricas CEEE e CORSAN, em vitória avassaladora sobre a luta social sul-rio-grandense. Longa e dura tinha sido a resistência, Muito grande a dor da perda.
No entanto, apesar de tantas "façanhas", tem aparecido nas pesquisas como o preferido dos "gaúchos" para o Senado da República. Não se sabe bem o porquê. Talvez seja apenas por manter acesa no Piratini uma "chama crioula" que não ilumina, cega.



                                                                                       MARIA 
















segunda-feira, 8 de setembro de 2025

CÁLICE

 

"Pai, afasta de mim esse Cálice, 
de vinho tinto de sangue"
Chico e Gil,1973




Não há tentativa de golpe no Brasil. Há um golpe em andamento. Desde 2016. Em etapas. Primeiro impediram Dilma, com o Supremo, com tudo. E um Congresso, o do tchau querida, que parecia "o mais canalha". Então começaram a atravessar "a ponte para o futuro", com Temer comandando a destruição dos direitos trabalhistas conquistados com suor e sangue ao longo do século XX e, de quebra, levaram junto a escola pública, com a destruição do ensino médio e o florescimento dos colégios cívico-militares. 
Depois prenderam  Lula, num processo comandado pela CIA, tendo a Lava Jato e o Supremo como "os instrumentos da hora". Para colocar na presidência da república alguém capaz de destruir o país, alimentando a chama ressurgida do fascismo social. E eleger um Congresso "ainda mais canalha". Além de corroer por dentro todas as instituições ditas democráticas.
A destruição foi tanta que as próprias escórias dominantes facilitaram, com o Supremo tirando o pé, a volta de Lula em 2022, mas ali-ali. Com a rédea curta de um Congresso ainda pior que "o mais canalha" anterior. E a besta-fera solta. Veio o dezembro incendiário, as estradas atravancadas pelos caminhões e os acampamentos nos quartéis.
E o 08 de janeiro. Que, para nossa "salvação", destruiu o relógio de D. João e a cadeira do Moraes. Maus modos que nem a burguesia cheirosa suportou. Estava "criado o clima" para acabar nos tribunais, mas não encerrou o golpe. São inúmeras as evidências. A maior de todas é a luta pela anistia dos participantes, dos organizadores e dos mentores do "já feito". Para que possam continuar fazendo. 
Anistiar golpistas significa abrir ainda mais as portas da política nacional para o capitalismo neoliberal e, em especial, para o imperialismo norte-americano.
Apesar de tudo isso, setembro de 2025 começou marcado por uma ofensiva bolsonarista que empurrou LULA III outra vez para as cordas. O que se viu, continuando agosto, foi o levante no Congresso ganhar força com Tarcísio à frente, as "redes" dominadas amplamente pela direita e Lula, lúcido, pedindo um socorro que não veio.
O 07 de Setembro "do grito pela soberania" mostrou apenas a fragilidade ou a omissão das direções partidárias de esquerda, dos sindicatos e dos movimentos populares Brasil a dentro. Parece que a maioria tinha algo mais importante a fazer do que lutar no chão da rua, onde deviam estar mas não estiveram. 
No final do dia, o resultado foi mais um fracasso da luta pela vida. Porque é da vida que se trata. Dos excluídos, precarizados, adoecidos, usados e abusados pelo projeto de poder hoje hegemônico.
Em São Paulo, cidade emblemática, enquanto os que "gritavam" por tais vidas não chegaram a dez mil, o fascismo levava à avenida mais de quarenta mil cabeças de gado cobertas por uma gigantesca bandeira do império do capital. E foi assim em todo o país, não há como negar.
Mais dia menos dia, condenado o inominável no Tribunal "Superior", o que vai acontecer? Os navios da IV Esquadra vão deixar o litoral da Venezuela e atracar no Paranoá? As brigadas comandadas por Silas Malafaia vão fechar os "antros de perdição comunistas"? O agropop vai acelerar a morte das florestas e dos pampas? A vida boa dos que têm vida boa vai continuar igual enquanto a vida difícil dos que têm vida difícil vai ficar cada vez mais difícil?
Pensando nisso, o que há mesmo para  ser comemorado neste setembro estrelado pela bandeira do opressor ?
Por favor, alguém responda...

                                                                                            MARIA

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

AO GRITO, CAMARADAS

 


" A nossa Pátria é o mundo, nossos compatriotas são os operários e os estrangeiros, para nós, são todos os capitalistas."   
Manifesto da Federação Operária, 1908




Lula tem crescido nas pesquisas de opinião divulgadas por aí. Por que será? Assim, de repente, depois de tantos meses em queda. Será que o povo está, finalmente, abrindo os olhos? Ou será que foi a valentia dele, frente aos ataques do império do norte? Ou tudo junto e misturado? As teses multiplicam-se...
Uma coisa é certa, no entanto. Pesquisas eleitorais não são garantias de futuro, são apenas probabilidades no presente. E, assim mesmo, por inúmeros fatores, bastante frágeis. Por isso, não cabe no momento uma euforia ingênua ou prepotente.
È bom lembrar  que a maior potência imperialista do mundo tem deixado nítido que pretende continuar e aprofundar, em nova fase, a guerra "híbrida" que faz ao Brasil desde o primeiro governo Lula, no alvorecer deste XXI. Ao longo do século XX, a tática tinha sido outra e a guerra se chamava "fria".
A fase atual começou em 2008, quando, com a justificativa de combater o narcotráfico nos "mares do sul" recriou sua IV frota que passou a circular em águas latino-americanas. O presidente deles era Bush, "o terror do terror". Na Venezuela estava Chaves e no Brasil estava Lula e o pré-sal recém descoberto. Momento tenso.
Depois veio Obama, "o nobel da paz", colocando a CIA a bancar a Operação Lava-Jato, a espionar a Dilma e incentivar o golpe de 2016. O objetivo era acabar com a resistência mínima dos governos liderados pelo PT aos avanços neoliberais começados com Collor e acentuados  por FHC. 
Agora veio Trump, o magnífico, que quer o chão das terras "raras" para, com ele, alimentar as plataformas digitais do capitalismo neoliberal. E não vai desistir assim tão fácil. Tem a seu lado as escórias dominantes entre nós, representadas  majoritariamente nos espaços parlamentares do país em todos os níveis -  nacional, estadual e municipal. E, com elas, pretende construir  2026. No grito. Este é o projeto golpista em curso e esta longe de terminar. A condenação da quadrilha Bolsonaro não será a batalha final.
Lula tem feito o embate sozinho. Por mais que chame e provoque. As organizações da esquerda política, as frentes populares, os movimentos sociais, as centrais e federações sindicais, têm ficado na "torcida", mas sem levantar nem ao menos para fazer "olas". Até quando?
O Rio Grande do Sul, o Brasil e o Mundo precisam que a luta social grite aos ventos e em massa. Por justiça social, por Gaza e pelo Congo, pelo direito ao tempo e à preguiça, pelo amor livre para todes, pela distribuição da riqueza, pela vida no Planeta Terra.
No dia 7 de Setembro ,  o Grito dos Excluídos pode ser a oportunidade para levantar a voz coletiva vinda do chão da rua, como um trovão das entranhas, ecoando por baixo, querendo explodir. Em defesa da soberania nacional e da nossa humanidade. De braços dados.
Mas pode ser também mais uma oportunidade perdida, se poucos forem os presentes. Como uma recente na Câmara de Vereadores da cidade do Rio Grande, que o povo não ocupou para impedir a aprovação de uma moção de apoio à anistia do inelegível. E nossas vereadoras e vereadores ficaram gritando sozinhos.


                                                                                           MARIA

terça-feira, 26 de agosto de 2025

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES

 


Vem, vamos embora,
que esperar não é saber.
Quem sabe faz a hora, 
não espera acontecer
            Geraldo Vandré



O Partido dos Trabalhadores está "sob nova direção", eleita em 6 de julho, com a participação de cerca de 25% de seus filiados no dia da votação. Só.
De um "novo" ou "nova" qualquer, o que se espera é, no mínimo, um passo adiante na caminhada. No caso em questão, o PT, imprescindível é que seja um passo à esquerda. Para garantir a luta. Para resgatar a esperança. Porque o tempo é de guerra. Mais uma guerra imperialista. Quem finge não ver ou acredita que é possível ir levando a vida no ritmo de sempre, olhando apenas para o próprio umbigo, não compreende o que está ocorrendo.
Guerra quente e guerra fria. Guerras híbridas.
Palestina, Venezuela, República do Congo, Cuba, Sudão, Irã, Ucrânia, são os cenários mais visíveis da guerra "quente". Da guerra "fria", o palco central é, hoje, o Brasil, mas todo o mundo pobre pode nela ser encontrado.
O PED, no entanto, não expressou uma intenção de mudança no espaço petista para melhor posicionar-se no campo de batalha.. As mesmas correntes de pensamento, já hegemônicas no Partido faz tempo, foram as vitoriosas outra vez. A tendência é que continue a política até aqui praticada. As decisões cada vez mais centralizadas, os diretórios cada vez mais "de informes", a formação política cada vez mais superficial, as ações diretas cada vez mais escassas, a democracia interna cada vez mais desrespeitada, as campanhas eleitorais cada vez mais dentro da lógica capitalista, a questão financeira cada vez mais envolvida em véus. E os resultados cada vez mais pífios, do ponto de vista da classe trabalhadora.
Um Partido que nasceu na esquerda, como instrumento da luta entre as classes, ao administrar o capitalismo foi se tornando um partido de centro, digno representante da política tradicional burguesa, acomodado ao fundo partidário, ao fundo eleitoral, às emendas parlamentares individuais. O interesse de alguns sobrepondo-se ao interesse coletivo.
Dura realidade. Mas ainda há quem queira transformá-la. E, como dizia Paulo Freire, o grande mestre do século XX, a realidade só é até que a gente faça alguma coisa.
Nosso objetivo não pode continuar sendo "melhorar" o capitalismo. Precisa ser mais ousado e ir além, em busca de um futuro socialista.
Urge um Manifesto que denuncie, intensa e profundamente, a contradição existente entre o capital e a vida. Para que se possa anunciar em 2026 um projeto LULA IV radicalmente democrático, propulsor  de mudanças estruturais, humanistas e anticapitalistas.
Urge também pernas na rua, bandeiras ao vento, vontades de fazer diferente, imagens de futuro, além de estudo e muito compromisso.
Qual a disposição do Partido dos Trabalhadores para liderar um processo assim?
No momento,  muito pouca. Ou, talvez, nenhuma.



                                                                                                    MARIA


segunda-feira, 18 de agosto de 2025

CINEMA DE CALÇADA

 



O texto que segue foi escrito no final de agosto de 2008. Celebrava a inauguração do Cine Dunas Cidade. Foi fruto de um  gostar profundo, só traduzido na íntegra pela palavra amigo. Mas foi também fruto da intenção objetiva de registrar o significado histórico dos "cinemas de calçada" na construção da sociabilidade urbana.
Hoje, com as portas já fechadas pelo tempo e as luzes apagadas pela pandemia, o Cine Dunas permanece na memória da cidade como o ponto de encontro  e resistência que sempre foi. Fazendo sua própria história, foi tecendo junto  parcela significativa da história do Rio Grande. 
Neste agosto de 25, veio parar no "mariabonita"  como testemunho de um tempo vivido.



                                                                    "O amor é simples. E as coisas simples, as devora o tempo", escreveu um poeta faz tempo. " Nem sempre", escreveu um outro.





                                                               CINEMA  DE CALÇADA


Rio Grande teve inaugurada, em 25 de agosto passado, uma nova sala de cinema - o Cine Dunas Cidade. Com isso, resgata-se entre nós a tradição cultural dos cinemas de calçada.
Do Cine Teatro Carlos Gomes que, no início da década de 60 do século XX, já estava com as cadeiras sem estofo, mas, nas lotadas "matinées" de domingo, ainda recebia a gurizada que lá ia namorar e ver filmes de "mocinho", alguns torcendo pelos índios. A máquina sempre falhava, acendendo as luzes de repente e deixando ver outros tantos "filmes" espalhados  pela sala. Foi nele, nessa mesma  época, que as estudantes do Curso Normal do Juvenal Miller, que faziam teatro, puderam assistir "Navalha na Carne", com Plínio Marcos. Depois, a professora justificou-se afirmando não saber que a peça era tão "forte".
Do Sete de Setembro, que era o cinema da segunda-feira. Requintado, estofado verde, filmes "cult". Nele, além do filme, imperdíveis eram as notícias do Canal 100 exibidas no início de cada sessão. Era nele que se viam as jogadas e os maravilhosos gols  feitos pelo Garrincha uma semana antes. Na saída, um docinho no "Sol de Ouro".
Do Glória, majestoso pela amplidão, que atraia e acolhia multidões. Para a sessão de domingo, era preciso chegar cedo ou não se encontraria desocupado nenhum dos seus dois mil lugares. Entrava-se, "guardava-se" um lugar e se ia passear em seus corredores-avenida. Via-se a turma da esquerda, a turma da Luís Loréa, a turma do fundão...Quem chegasse cedo, recebia também "O Peixeiro", um jornalzinho com folhas cor-de-rosa e versos de J.G. de Araújo Jorge.
Sabemos que as lembranças, como os cheiros, chegam vindas não se sabe de onde e que por elas o passado se faz presente. Mas o jovem Cine Dunas resgata mais do que os rastros deixados pela história. Resgata espaço de trabalho. Em sua equipe de profissionais encontram-se Cleber e Simão, que um dia atuaram no antigo Cine Glória. Hoje podem ensinar o que aprenderam, um elo foi estabelecido. O filme recomeça, iluminando o conhecimento construído na experiência.
Em tempos de "império da telinha", em que o medo ou o cansaço deixa os humanos incomunicáveis na dita era da comunicação, o cinema pode ser, além de entretenimento e cultura, um ponto de encontro. Por isso, é preciso dizer às crianças e aos jovens desta geração "telinha" que, de vez em quando, faz falta uma "telona". Para que se olhe grande, para que se olhe mais. Para que se olhe junto.
E, olhando junto com todas e todos que já foram conhecer o Cine Dunas Cidade, bom também é perceber que a ousadia não morreu. Ainda há quem ouse. Porque é de ousadia que se trata quando se fala em abrir cinemas neste alvorecer do XXI.
Cleyton e Janete ousaram ao abrir o Cine Dunas Cassino. Agora ousaram mais ao presentear também a cidade com a belíssima sala da Rua Andradas, de onde até se pode ver, das sacadas, os "fundos do Cine Sete".
É uma ousadia que merece o respeito e o prestígio de todas e todos que acreditam ser um Ponto de Encontro algo a ser respeitado e prestigiado.
Numa terra de muitos ventos trazendo e levando areias, que os braços dos rio-grandinos sejam fortes o bastante para reter estas Dunas no Cassino e na Cidade.


                                                                                                       MARIA

sexta-feira, 18 de julho de 2025

PARA ISSO FIZEMOS L

 



Brasileiras e brasileiros que viveram o século XX, para não dizer injustamente que só os jovens "não viveram" o pior e o melhor da nossa história, NUNCA tinham  ouvido um Presidente da República dizer em rede nacional, na tv ou pelo rádio, o que Lula disse ontem sobre os Estados Unidos da América do Norte. Ele denunciou, a todos os ventos, mais uma guerra do império do norte contra um país latino-americano, que é o que somos. Deixou nítidos os motivos e o pretexto do governo norte-americano para iniciá-la. Os motivos são o medo que sentem do fortalecimento dos BRICS, onde o B inicial quer dizer BRASIL, na sua jornada em busca do multilateralismo sócio - econômico mundial e da "independência" do nosso sistema  judiciário, tão diferente da subserviência dos tempos da lava jato, que ousa hoje enfrentar as "big techs", ferramenta indispensável para a permanência global  do projeto capitalista em sua fase neoliberal. Só pretexto é a defesa do inelegível, indiciado por tentativa de golpe de Estado. A ignomínia da extrema direita brasileira, bem representada pela "familícia", foi de valor inestimável para que a "águia" mostrasse as garras.
O Presidente do Brasil, como nunca d'antes, repudiou veementemente a "chantagem inaceitável", as ameaças, as informações falsas, a tentativa de intimidação do Supremo Tribunal Federal, o ataque à soberania nacional, sem meias palavras.
Além disso, mostrou sua indignação com os traidores da pátria, que vestem camisetas amarelas da seleção brasileira enquanto continuam batendo continência para a bandeira do país "de Trump". Todos contaminados pela ganância capitalista ou iludidos pelo "sonho" americano da prosperidade individual.
Como recado final, um aviso: "O Brasil é dos brasileiros" e o Congresso Nacional já aprovou a Lei da Reciprocidade. Vai ter luta!
Do ponto de vista histórico, foi uma noite memorável, inédita para todas e todos que até aqui fizeram e viveram a história do Brasil. Foi para vivê-la que fizemos o L
No entanto, é bom lembrar que na história até hoje vivida nunca ganhamos uma guerra contra eles. O que virá a seguir ainda não é história. Logo, não pode ser escrito. Ainda está por ser feito.
Mas talvez tenha começado. Afinal, Bolsonaro amanheceu de tornozeleira.
" O que a vida pede é coragem" diria a grande Dilma. De dizer não, completaria Guimarães Rosa.

                                                                                              MARIA 


" Um dia as veias abertas da América Latina serão transformadas nos caminhos da libertação."
EDUARDO GALEANO

segunda-feira, 14 de julho de 2025

O QUE QUER BOLSONARO ?

 

 
Bolsonaro se recusa a sair de cena, como diz a jornalista Denise Assis integrante da Comissão Estadual da Verdade/RJ em sua coluna no Brasil247 (23/06/25). Acontece que a "cena", composta pelas "redes", mais as mídias remanescentes do século XX, mais os partidos de direita, também não o manda embora, teimando em reproduzir e ampliar sua palpitagem cotidiana sobre a política brasileira e mundial por  considerá-lo ainda significativo indutor de votos para 2026, mesmo sabendo que seu nome não estará na urna. Qual o verdadeiro objetivo desta "encenação" toda? Da direita coletivamente e de Bolsonaro individualmente?

"Dê-me 50% por cento da Câmara e 50% do Senado que eu mudo o destino do Brasil" - Jair Bolsonaro
( postado na última semana de junho )

Ainda que sabendo de sua realidade jurídica, o inelegível segue em frente na luta pela permanência, "atrapalhando" a busca por uma democracia, mesmo apenas liberal. Continua golpeando, não só  planejando golpes. Desempenhando o papel que lhe foi destinado pelo poder econômico civil que impera no país e fala pelos microfones da rede globo e similares. Sendo assim, o que importa hoje é reconhecer e denunciar o golpismo civil que sobrevive na sociedade brasileira e não pode mais apelar aos quartéis como sempre fez porque Bolsonaro acabou com os quartéis. Expôs sem véus toda a degradação, covardia e mediocridade dos generais e almirantes do mar e do ar, das "forças" armadas em geral. Descortinado está que queriam, mas não conseguiram, quando tentaram escondidos atrás de uma massa de manés.
Assim, é com o golpismo civil, sem a fantasia de soldado, que as organizações de esquerda precisam se ocupar agora. Se quiserem uma outra política, capaz de transformar efetivamente a realidade, não apenas reconstruí-la nos moldes de antes. Ou até só manter o pouco que se tem em termos de políticas públicas distributivas.
O foco precisa ser o Congresso Nacional. A escória aqui dominante há 500 anos quer em 2026 50% de Senadores e Deputados Federais de extrema direita. Mantém Bolsonaro "em cena" como besta-fera-propaganda para alcançar tal objetivo. Tendo em vista o Parlamento que já temos, parece mera manutenção. Mas não é. É um percentual que não permitirá mais negociação alguma, podendo, inclusive, aprovar uma anistia ampla a todos os golpistas. Sem obstáculos, poderá também garantir a continuidade da ordem economicamente opressora de forma contundente por um longo tempo à frente. Mas acentuada, acelerando a precarização da vida.
No interior do PT,  confirmada em 6 de julho, tem sido vitoriosa a tese que defende a não-polarização política, a moderação institucional, a conciliação com o inimigo de classe, a vastidão sem profundidade do aliancismo eleitoral. Tese esta abraçada com afinco nestes dois anos e meio pelo governo LULA III. Sem que, no entanto, tenha conseguido sair do sítio.
Contudo, inesperadamente, parece que o vento está mudando, forçado pela conjuntura. A derrota acachapante sofrida no Congresso Nacional com o decreto do IOF acendeu a luz vermelha. Literalmente.
Nas "redes", viralizou o "nós contra eles". Nas ruas, gente chegando aos poucos. O MTST ocupando a agência central de um grande banco. Atos contra a jornada 6x1 começando a acontecer. Em São Paulo, milhares ocupando a avenida para protestar. A votação no Plebiscito Popular ganhando fôlego em muitos espaços. E até o nosso Presidente, desfilando em carro aberto, levantando bem alto um cartaz que clamava por justiça tributária. Puxando a multidão.
A tão temida, contida, censurada, polarização começando afinal a acontecer.
Vai vingar? Ou logo será guardada na caixinha da memória outra vez?
Será aproveitada para tentar interromper o golpe civil em curso?
Ou será desperdiçada, como em 2013, quando, tontos, deixamos o capital se apropriar daquela inflamada corrente de indignação?
Compreenderá o novo presidente do PT que, embora não querendo,  será preciso polarizar? Talvez a carta vinda do Império o ajude a encontrar o caminho da luta necessária.
Quanto a Bolsonaro, o que ele quer é simplesmente a impunidade. Quer indulto pelos crimes cometidos como forma de  pagamento à continência  que bate à bandeira dos Estados Unidos.
Vai conseguir?


                                                                                   MARIA



domingo, 29 de junho de 2025

SENDO ASSIM

 

"Ser um fator de subversão da ordem estabelecida 
ou uma peça na engrenagem política tradicional?"
Pergunta escrita no muro



O PT é hoje constituído por mais de dois milhões de filiados em torno de um objetivo comum - a transformação da realidade social. Pelo menos em tese. Somos muitos e somos múltiplos. Tantos e tão múltiplos que, na prática, está ficando cada vez menos nítida a consistência do dito objetivo comum.
Forjado nos embates contra a opressão política e a exploração econômica no final da década de 1970, o Partido cresceu e se fortaleceu no imaginário do povo brasileiro como um instrumento de luta por justiça social e soberania nacional.
Na atualidade, grande parte da sociedade já não acredita nisso. Muito por conta da guerra suja travada contra ele pelas camadas dominantes social e economicamente. Mas, inegavelmente, muito também por conta do seu afastamento dos espaços de luta comunitária e popular. Ocupado com a institucionalidade, desaprendeu a linguagem da rua. Fragilizou-se como nunca porque perdeu sua histórica capacidade de mobilização e organização das massas. Pior, foi deixando de querer mobilizar e organizar. E era essa a sua força, nascida da coerência entre o dito e o feito.
Administrando o capitalismo foi degradando seu caráter de classe. Apartado do povo, aprendeu a silenciar, escondendo, os motivos e os significados das propostas que defende e incrementa.
Talvez envergonhado por ter cedido ao "espirito do tempo", saiu da parada de ônibus, da esquina, da praça pública. Recolheu-se ao espaço das telinhas e das "redes". Enquanto isso, no Senado, por exemplo,  vota unanimemente pela criação de um dia para festejar a "amizade" entre Brasil e Israel. E nenhum Diretório Municipal ou Estadual, elaborou, sequer, uma nota de repúdio a tamanho descalabro humanitário. Por que será? A militância petista tem o direito de saber. 
Mesmo assim, causa espanto a incompatibilidade entre as evidentes iniciativas do governo Lula III, do qual faz parte, para conter o horror social desencadeado com o golpe de 2016, acentuado com o governo da extrema direita fardada de bolsonarismo, e as pesquisas de opinião divulgadas frequentemente sobre ele. Setenta por cento de notas baixas ou regulares é bem difícil de absorver racionalmente. Ainda que as expectativas populares sejam maiores, que pontos estruturais significativos não tenham sido tocados e a política econômica neoliberal permaneça intacta. Não é simples nem fácil chegar a compreensão desta realidade, porque múltiplos são os fatores que a determinam e condicionam a continuidade da hegemonia do extremismo de direita na sociedade.
Primeiramente, por tratar-se de um fenômeno sociológico global, não apenas brasileiro ou latino- americano. E isso todos e todas sabem que é muito determinante. Até serve, as vezes, para "justificar" certas submissões.
Em segundo lugar, porque este comportamento político não começou ontem, nem em 2016. Nasceu nas salas acarpetadas dos capitalistas, assessorados por competentes "intelectuais orgânicos", para solucionar a crise terminal em que se encontra o modo de produção mais devastador de todos os já criados pela humanidade. Para que não termine, permaneça até que o planeta não mais consiga sustentar a vida humana. Desde a década de 1990 espalhou-se sorrateiramente, não só para barrar novos avanços das classes trabalhadoras como para destruir todas as conquistas obtidas pela luta ao longo do século XX. Em busca do lucro máximo.
O primeiro passo dos "donos" do mundo em direção a tal objetivo foi quebrar qualquer resistência ao seu novo/velho projeto de dominação. A qualquer preço. Pela força bruta, pela colonização das mentes, pela aceleração da vida cotidiana, pelo apagamento da memória histórica, pela louvação da "persona" em detrimento da louvação da "tribo". Pela ilusão de ótica inerente à tecnologia digital, quando utilizada acrítica e irrefletidamente. Passo até aqui dado com sucesso. A jaula parece mesmo de aço.
As guerras várias, o genocídio do povo palestino e de inúmeros povos africanos, a exasperação das desigualdades sociais, a má distribuição da terra no campo e na cidade, as catástrofes climáticas recorrentes, a inoperância de governos ditos progressistas para reverter tal conjuntura e a consequente demonização da política, testemunham esta realidade. De novo, verdadeiramente,, só a tecnologia - fascinante, encantadora, viciante, quase mágica. A lógica algorítmica e a crença religiosa promovendo um avanço gigante da desinformação e do engano. Frente a tudo isso, a questão que grita no peito de muitas e muitos é, sem dúvida, "o que fazer?", como há tanto tempo já se perguntava o grande Lenim.
No momento, o PT está vivenciando o processo eleitoral interno que renova suas instâncias de direção em nível nacional, estadual e municipal. Processo este que perde qualquer sentido se não tiver por eixo uma outra questão inseparável da primeira - por onde ir? No caso de uma organização política que ainda se intitula ferramenta de luta social, o caminho escolhido é o que vai dizer se ainda sabemos o que deve ser feito. E, se não sabendo, estamos dispostos a aprender.
O discurso que hoje fala mais alto no interior do partido defende não balançar o barco mais do que o minimamente necessário para ganhar eleições, sejam externas ou internas. Aquele mínimo que garante alguns benefícios ao precariado e a continuidade dos privilégios aos já historicamente privilegiados. Mínimo que não se traduz em qualquer prática transformadora.
Qual é a meta deste rumo, afinal? Tendo em vista que não é de hoje a estratégia. Data, por alto, lá de 2003 quando chegamos a presidência da republica. E nos levou a 2016, quando não ia ter golpe, mas teve. E a 2018, quando íamos voltar à presidência da nação, mas não voltamos. E a 2023, quando seria iniciado um governo de "união e reconstrução", mas o neoliberalismo continuou governando via congresso nacional. E a 2025, quando o balanço moderado do barco nos levaria a um porto seguro, mas não levou.
Há que aproveitar o PED ´para refletir sobre essa trajetória, identificando suas contradições. O reconhecimento dos equívocos que impregnam a estrutura partidária, os governos petistas e nossos mandatos parlamentares exige uma firmeza de propósito que, coletivamente, não temos neste instante. Mas podemos perseguir. Porque seguir como estamos, com uma predominância explícita do individualismo e do personalismo exacerbado,  é o sinal maior de que, mesmo entre nós, o sistema capitalista está vencendo.
Há quem pense que uma aceitação realista das regras políticas do mundo capitalista seja o único caminho possível. Há quem pense que não. É disso que precisa tratar o debate a ser feito. Tudo o mais será consequência. 
Sendo assim, sejam quais forem os encaminhamentos acordados, precisam estar referenciados no mais básico princípio petista - a construção coletiva da inserção partidária na luta entre as classes.


                                                                                      MARIA

quinta-feira, 12 de junho de 2025

TEMPO DE GUERRA

 


" A dignidade humana soterrada em Gaza..."
(palavras para escrever no muro)



Que o tempo é de guerra ninguém contesta ou duvida, seja qual for sua posição no espectro político. O que fazer para vencê-la é o que falta descobrir. Se ainda for possível alguém vencer antes do fim. E, feita a descoberta, ousar lutar, se sobrarem forças para fazer a luta.
Perdida no campo de batalha, a esquerda organizada hesita, defendendo o mínimo, atirando a esmo e acertando o próprio pé enquanto o inimigo, resoluto no ataque, está buscando o máximo ao mirar com precisão em nosso ponto mais fraco - a capacidade perdida de fazer diferente, governar diferente, aprender e ensinar diferente. Querer diferente.
Quais as razões para uma fragilização tamanha?
Urge identificá-las para sair do brete.
Para isso, talvez o primeiro passo seja admitir a concretude da guerra que, como escreveu o grande Marx um dia, se confunde com a própria história da humanidade em qualquer tempo até aqui vivido. Oprimidos x opressores, escravizados x seus senhores, colonizados x colonizadores, trabalhadores x seus patrões, pobres x ricos. Além dos combates entre si travados  pelos donos do poder por mais poder, nos quais as buchas de canhão sempre foram, e continuam sendo, os que não têm poder algum.
Tem sido assim desde que o primeiro "esperto" cercou um pedaço de terra e se intitulou seu proprietário, dando início a uma sociedade dividida em classes, onde nada é  "bom para todos". Nem a luz do sol.
Guerra, sempre guerra. Por maiores que sejam seus  disfarces. Por mais densa que seja a bruma a encobri-la . Por mais bela que seja a fantasia a mascará-la.
Considerada esta realidade, "unir para reconstruir" não é o que se deve propor, porque não é o que se deve querer.
Reconstruir simplesmente a ordem social imperante por aqui desde a invasão europeia no século XVI, acentuada pelo capitalismo contemporâneo em sua fase de liberalismo extremado, digitalizado e financeirizado, que estimula o fascismo social para manter seu domínio, decididamente não pode ser o que se queira. Nem mesmo em nome de uma defesa da democracia. Numa sociedade de classes não há democracia, que  só se materializa mesmo com a partilha igualitária da riqueza. O resto é retórica. Só retórica.
Nosso horizonte precisa ser a transformação deste mundo feio, que se enfeiou há muito. Justiça transformada, educação pública transformada, parlamento transformado, poder executivo transformado, organizações populares transformadas, relações humanas transformadas. Nada reformado.
Que LULA III não esteja conseguindo avançar nesta direção é compreensível. Afinal, tem a engessá-lo uma aliança com a direita mais tradicional do país, aquela que finge ser o centro, e um parlamento majoritariamente canalha. Agora, as organizações de esquerda não estão impedidas de seguir adiante nem de disputar internamente o rumo dos enfrentamentos. Ao contrário, podem e devem continuar comprometidas com a luta anticapitalista, Portanto, socialista. 
Mostrar a LULA que ainda estamos aqui e que não viramos "eles", esta  é a  melhor forma de reafirmar nosso apoio  para que vença em 2026.
Este não é um objetivo saudosista. Tem os olhos voltados ao futuro. Porque o futuro é o que interessa. Torná-lo possível é o desafio que temos no presente.
Que seja um tempo colorido este futuro, pleno de valores novos que envelheçam sábios e de amores múltiplos que se percebam livres.


                                                                                        MARIA


segunda-feira, 31 de março de 2025

CHORAM MARIAS E CLARICES

 


"NINGUÉM PODE DIZER QUE OS NOSSOS COMANDOS ESTÃO FORMADOS PARA A VIOLÊNCIA, MAS SE OS ADVERSÁRIOS DESEJAREM A LUTA, RESPONDEREMOS COM LUTA."
LEONEL DE MOURA BRIZOLA
DEPUTADO FEDERAL PELO RS
DEZEMBRO DE 1963



Em 1 de abril de 1964 chegava ao fim o governo de 30 meses do Presidente João Goulart, sendo  apenas a metade deles sob regime presidencialista. Tinha abraçado o projeto de reformas políticas e sociais mais popular e democrático da história da república brasileira. Um plano de governo até hoje não suplantado em consistência e abrangência, mas que ficou só plano.
Aconteceu aquele governo, numa encruzilhada histórica, no auge da "guerra fria", que dividia o mundo entre os subservientes aos interesses imperialistas do EUA, esperando uma beira, e os que lutavam para manter vivo internacionalmente o princípio de soberania nacional, esperando respeito. Naquele momento, o Brasil podia pender para um lado ou para o outro e a América Latina era um território em disputa. Como hoje. Como sempre, desde 1492.
A Revolução Cubana em 1959, a derrota norte-americana na tentativa de invasão da Ilha em 1961, os mísseis soviéticos lá instalados em 1962, o voto contrário do Brasil à sua expulsão da OEA em 1962, a expropriação da Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense, subsidiária da norte-americana AMFORP em 1959, por Leonel Brizola, então governador do RS e a encampação da Companhia Telefônica Rio-Grandense, subsidiária da também norte-americana ITT em 1962 pelo mesmo governador e a audaciosa "Campanha da Legalidade" em 1961, que garantiu a posse de Goulart após a renúncia de Jânio Quadros, eram sinais de alerta que não podiam e não foram ignorados pelo "grande irmão" do Norte. Porque, além deles, espalhava-se no ar, trazido pelo vento Sul, o brado da classe trabalhadora brasileira do campo e da cidade em luta para "mudar as coisas". Coisa de comunistas.
Nacionalista e "trabalhista", o governo Goulart tentou pender para o lado da luta por soberania. Levantou bem alto a bandeira das reformas reivindicadas pelo Movimento Popular Organizado e pelos Partidos Políticos de Esquerda - reforma da Constituição, reforma Agrária, reforma Universitária, com Plebiscito para referendá-las. Além disso, criou o décimo terceiro salário e a aposentadoria dos trabalhadores rurais. E pior. Sancionou a regulamentação da lei que estabelecia controle e limite à remessa de lucros para o exterior, enfurecendo banqueiros, latifundiários, grandes empresários e multinacionais.
Acontece que, naquele cenário mundial explosivo, o Brasil era pedra fundamental no dominó da política dos EUA. Porque, para o lado que pendesse, poderia levar junto outros importantes países latino-americanos. O projeto populista/reformista nele em curso precisava ser interrompido para não pender na direção "errada". E foi. Com a cumplicidade da escória dominante no país.
Aliança perfeita entre os interesses do capital nacional e os interesses do capital norte-americano. Já parceiros, desde o final da II guerra. 
Juntos tinham criado, em 1949, a Escola Superior de Guerra do Brasil, nos moldes do Colégio Nacional de Guerra dos EUA, e nela, os de "lá" ensinaram aos de "cá" o papel a ser desempenhado pelas forças "armadas" nacionais na guerra "fria" contra a URSS, tendo por base a Lei de Segurança Nacional, "lá" elaborada, "cá" copiada e adaptada. Que mandava prestar atenção no inimigo "interno". Juntos estiveram, ao longo da década de 1950, em várias tentativas golpistas para chegar ao poder, tendo em vista que pela urna não estavam conseguindo, repetindo a unidade em 1961. Perseguindo o mesmo objetivo,  juntaram-se de novo em 1964 para golpear o nacionalismo trabalhista em voga por aqui. 
A justificativa pública para o arbítrio era a restauração da "verdadeira" democracia, maculada pelo governo "comunista" e "ilegal" de João Goulart. Chegava ao povo pelas ondas do rádio, pelas manchetes dos grande e pequenos jornais, pelas páginas das revistas semanais e, até mesmo, pela voz vinda de alguns púlpitos da igreja católica.
Os golpistas de então, fardados ou engravatados, seduziram significativas parcelas  de todas as camadas sociais apresentando-se como salvadores e protetores da pátria, promotores do desenvolvimento econômico e respeitadores das tradições herdadas do passado. 
Paralelamente, calaram todas as vozes opositoras levantadas. Reprimiram, censuraram, perseguiram, desempregaram, prenderam, torturaram e/ou mataram todos os "subversivos" e "subversivas" que conseguiram encontrar.
Foram 21 anos de um tempo cor de chumbo cujas sombras ainda são percebidas no tempo presente. A classe trabalhadora brasileira e latino-americana continua sendo golpeada pela ofensiva político/ideológica do capitalismo, em especial o norte-americano, que não cansa de usar seu poder econômico, corrupto e corruptor, para continuar mantendo sua hegemonia no continente. Como sempre, com a cumplicidade submissa dos capitalistas nacionais.
Atualmente, em nome de um "ajuste fiscal", agora apelidado "arcabouço", que a maioria dos "ajustados" ou "arcabouçados" nem ao menos sabe o que é, só sabe que sufoca, tem sido mantido um severo arrocho econômico sobre as classes laboriosas enquanto seguem firmes as benesses das classes ricas.
Mesmo com um governo que se quer popular e democrático, a realidade não muda. A vida vai ficando cada vez mais precarizada. Falta saúde, educação, saneamento básico, moradia digna, transporte coletivo, salário justo, segurança, esperança. De tais governos, acuados pelo neoliberalismo imperante no mundo, só chegam políticas sociais compensatórias, capazes apenas de mitigar o momentâneo.
Com os Partidos de Esquerda extremamente fragilizados pela institucionalidade, só os Movimentos Sociais poderão interromper a ditadura neoliberal que espalha-se anonimamente pelo planeta inteiro. Resta saber se vão conseguir passar da inércia reinante ao protesto consciente e do protesto consciente à propostas que ultrapassem o imediatismo da urgência sem, contudo, deixar esta urgência de lado.
Então a luta será todo dia outra vez.
De todas e todos.
Por todos e todas.

                                                                  MARIA


" Se você vier me perguntar por onde andei
   Eu te direi amigo
  Tenho 25 anos 
  De sonho e de sangue
 E de América do Sul"
  A PALO SECO
   BELCHIOR

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

CPERS/SINDICATO, O IMPRESCINDÍVEL RESGATE

 

"Se insistirmos em continuar errando, de recuo em recuo, de concessão em concessão, ficará cada  vez mais difícil dar certo."         Prof. Valter Pomar, janeiro de 2025


É sabido que no momento presente o capitalismo neoliberal tem atacado com violência ímpar os instrumentos de luta da classe trabalhadora. Uma guerra ideológica que tem por objetivo, para além da subordinação dos corpos, a subordinação da vontade coletiva, garantindo, com isso, a continuidade da opressão classista. Acentuada.
O movimento sindical sentiu o golpe. Em todas as partes do mundo. Em todas as correntes de pensamento nele atuantes, Em todas as suas  esferas organizativas. A luta foi ficando moderada, respeitando todos os limites impostos pela ordem estabelecida, trocando o combate de massas pela resistência "heroica" de algumas lideranças, as ruas pelas salas dos tribunais e pelos gabinetes parlamentares. Pelo excesso de concessões ao senso comum do tempo histórico, acabou recuando. Ineficazes, até aqui, os caminhos escolhidos para enfrentar o projeto hegemônico.
O CPERS/SINDICATO não tem conseguido fugir dessa realidade. Nem mesmo sua tradição guerreira conseguiu impedir que, como a maioria, mergulhasse no pensar e no fazer neoliberais, ambos responsáveis pelo acelerado abandono do pensamento anticapitalista em todos os espaços de luta, pela falta de foco no eixo que importa, pelo rebaixamento das expectativas,  pelo oportunismo individualista em alta na sociedade do espetáculo, pelo ativismo politiqueiro/eleitoral que terceiriza o embate com o inimigo de classe. Responsáveis, enfim, por termos chegado ao ponto em que chegamos, para alegria dos donos do poder econômico.
Em contexto assim tão adverso, está assumindo a nova direção central da Entidade, composta por forças internas diversas, em busca de uma unidade capaz de dar conta do desafio gigante de inverter o jogo, sair da corda e construir um outro caminho para que se possa, de novo, andar e avançar. Durante a campanha, isso era dito discretamente por alguns componentes da chapa vencedora.
Mas os sinais ainda não são alvissareiros. Basta  um olhar atento sobre as publicações recentes no site oficial do Sindicato para que se perceba isso. Entre os eventos e notícias divulgados destacam-se o ato da posse em 21 de dezembro e o registro textual e fotográfico da primeira "reunião de planejamento" em 22/23 de janeiro.
Quanto ao momento da posse, obviedades e formalidades predominaram nas falas registradas. O clima festivo fazia lembrar das formaturas de Ensino Médio. Os parabéns recíprocos também. Nem um minuto de silêncio pela morte da carreira dos profissionais da educação. Ou em solidariedade às aposentadas e aposentados punidos por continuarem vivos. Ausência total de autocrítica no discurso da presidenta que saía. Ouvindo-a, ninguém diria do retrocesso na mobilização da base, do percentual reduzidíssimo de sócios que votaram na última eleição, das assembleias cada vez mais esvaziadas, da opressão retumbante sobre a escola pública por parte do governo estadual. A presidenta que chega agradeceu e elogiou veementemente a antecessora, reafirmou seu compromisso em dar continuidade à luta, mas  sem chegar ao x da questão em instante algum. Fez um chamamento à participação de todas e todos em prol do fortalecimento do Sindicato, segundo ela o objetivo principal da unidade das diferentes forças políticas representadas na chapa.
Quanto ao informe sobre a reunião "de planejamento", muito pouco elucidativo. Em uma nota  de apenas três parágrafos, citações da pauta - objetivos, análise de conjuntura, reafirmação de compromissos, defesa da escola pública - sem apresentação do teor, muito menos dos encaminhamentos. Para onde serão levadas suas conclusões, apenas para os Conselhos ou democratizadas em plenárias por núcleos para serem debatidas  e enriquecidas, não disseram. Da análise de conjuntura, então, nem sinal. Um primeiro grande equívoco, ao tirar da informação seu caráter  pedagógico, que só o aprofundamento oferece.
Para todas e todos que têm como horizonte uma sociedade socialista, nada mais contrário à natureza, ao âmago, às razões primeiras do movimento sindical do que sua subordinação disfarçada  ao pensar/fazer do capital. Porque no seio da classe trabalhadora o Sindicalismo se fez, ao longo dos séculos XIX e XX, justamente para combater a opressão classista combatendo os pilares que a sustentam. No chão da rua. Exaltação de "eus", cerimônias, desmobilização induzida pela inércia ou pelo chamado equivocado, decisões de cúpula sem debate amplo com a base, são práticas que com ele não combinam.
Talvez mais do que uma sede na praia, a ser usufruída por tão poucos, estejamos precisando investir em uma Escola de Formação Política, onde possamos resgatar nossa consciência DE CLASSE.

                                                                                           MARIA